quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Emigração - os meninos que ficavam com os avós, as cartas do correio

 

 

Os meninos que ficavam com os avós 

 

Mas, nem todas as crianças partiram com as mães para junto dos pais; algumas, em idade escolar ou mais pequenas, ficaram com os avós. Haveria diferentes razões, uns queriam que os filhos continuassem a estudar cá e outros não teriam ainda as condições para os poder levar, logo nessa altura. Certo é que, passados uns anos, quase todas estas crianças se juntaram aos pais.

As mais novas continuaram a escola francesa e começaram a trabalhar logo que a lei o permitia.

 

Uma caixa de correio antiga 


As cartas do correio

 

O correio era muito importante, nesse tempo. O contacto, entre os que emigraram e os que ficaram, era feito por carta, só, muito raramente, no caso de haver alguma aflição, se telefonava ou enviava um telegrama.

Mas, como uma parte das pessoas, sobretudo, as de mais idade, não sabiam ler nem escrever, pois, muitas delas, nunca tinham ido à escola, sempre que recebiam uma carta tinham de pedir a alguém para a ler e depois para escrever outra de volta. Pediam a alguém próximo, a um familiar ou a um vizinho, ninguém dizia que não, qualquer pessoa lia e escrevia uma carta a alguém que precisasse.

Havia pessoas que tinham todos os filhos na França, quatro, cinco e, até, mais, quando pediam a alguém para lhes escrever uma carta, quase sempre aproveitavam e escreviam a todos para não andarem sempre a incomodar.

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A emigração nos anos sesssenta (3)

  

As famílias que se reuniam

 

Quando a situação o permitiu, quando arranjaram um trabalho e um alojamento, ainda que, muitas vezes, sem grandes condições, os homens começaram a “chamar” as mulheres e muitas famílias começaram a reunir-se.

Nesta segunda leva, abalou tanta gente que, em um ou dois anos, na segunda metade da década de sessenta, a população da aldeia ficou reduzida a um terço ou ainda menos.

Cada dia, era mais uma carteira vazia e mais uma casa fechada. Muitos meninos deixaram a escola de um dia para o outro. Saíram a meio do ano, quando calhava, dependia dos “papéis” que tinham de ter para ir.

A toda a hora se ouvia: “Abalaram para a França. Já, abalaram”. Havia um sentimento de perda, um sentimento de que nada voltaria a ser como dantes. E assim aconteceu.

 

Os meninos que ficavam com os avós 

 

Mas, nem todas as crianças partiram com as mães para junto dos pais; algumas, em idade escolar ou mais pequenas, ficaram com os avós. Haveria diferentes razões, uns queriam que os filhos continuassem a estudar cá e outros não teriam ainda as condições para os poder levar, logo nessa altura. Certo é que, passados uns anos, quase todas estas crianças se juntaram aos pais.

As mais novas continuaram a escola francesa e começaram a trabalhar logo que a lei o permitia.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

A emigração - a carta de chamada (2)

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Gare de Austerliz, em Paris, onde chegavam os emigrantes 

 

A emigração estava fechada, era proibida pelo estado português, mas, a partir de determinada altura, através de cartas de chamada, um documento vindo de França, atestando que aquela pessoa tinha trabalho assegurado, em determinado patrão ou firma, e tinha onde ficar alojado, conseguiam-se arranjar papéis, junto das autoridades portuguesas. Mas, antes, tinham de passar por um exame médico – só aos que estivessem aptos para trabalhar davam o passaporte e a documentação, para poderem emigrar dentro da lei.

 

As mulheres que ficavam

 

Muitas mulheres, jovens mães, ficaram sozinhas, a criar os filhos, a tratar da casa e ainda a terem de trabalhar nos campos, com uma dureza a que não estavam habituadas. Mesmo os trabalhos mais pesados, antes destinados aos homens, eram agora realizados por estas mulheres – lavravam, carregavam carros de lenha, faziam cavacos, cortavam feno… – foi dura, por esses anos, a vida destas mulheres.

Muitas delas, passados pouco tempo, puderam reunir-se com os maridos; outras, poucas, nunca saíram de cá e os maridos foram os primeiros a regressar.


[1]Eram desertores por terem deixado de cumprir o que as autoridades portuguesas entendiam ser um dever: servir a pátria, no serviço militar obrigatório.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A emigração - a ida a salto

 Finais dos anos cinquenta e princípios dos anos sessenta, foi a altura da maior emigração para a França. Aqui no povo, mas igualmente no concelho, no distrito e no país. Quem pôde sair, para trabalhar e melhorar a sua vida, saiu.

 

Ida para a França

 

Naquela altura, a França era uma realidade diária, nesta terra. Estava nas conversas e nas vidas de todos os habitantes. Não havia família que não tivesse alguém naquele país. Em muitos casos, todos estavam lá, tinham ficado, apenas, os avós já de idade.

A viagem "a salto": da sobrevivência ao negócio da emigração nos anos 60 -  BOM DIA
Por montes e vales, a caminho da França

 

 A salto

Nos primeiros tempos, muitos emigrantes iam “a salto”, clandestinos, sem quaisquer papéis. Eram, sobretudo, jovens casados, pais de família, que queriam ganhar o sustento dos filhos, mas eram também rapazes solteiros, alguns muito jovens, que abalavam, antes dos dezoito anos, para fugirem à tropa.

Saíam de noite, levados por passadores, a quem pagavam oito ou nove contos de réis. É bom de ver que nem todos tinham aquele dinheiro, pediam-no emprestado; quando chegavam à França, já estavam endividados até ao pescoço. Eram explorados, por muita gente, havia enganos, falsas promessas..., cá e lá.

Um passador português levava-os para Espanha e, aí, podiam passar por vários, até chegarem à fronteira de Hendaya, já em França, onde apanhavam o comboio até Austerliz, em Paris, estação de destino de quase todos os emigrantes que daqui foram.

Passar a Espanha, era o mais difícil, andavam dias e dias, até semanas, a pé, por veredas, montes e caminhos ruins, atravessando ribeiros, para fugirem à guarda civil espanhola; passavam o dia em casebres e de noite, quando havia menos policiamento, caminhavam ou eram levados de carro. Se fossem apanhados pela guarda civil, eram trazidos até à fronteira e entregues às autoridades portuguesas. A Pide, a polícia política, interrogava-os, prendia-os, ameaçava-os, mas acabava por libertá-los.

Muitos homens de cá tentaram atravessar a fronteira, a salto, por mais de uma vez, até conseguirem. Outros não conseguiram e tiveram de aguardar por cartas de chamada – a maneira legal de emigrar.

 

sábado, 5 de setembro de 2020

Coisas dos mercados e feiras do Sabugal (2)

 

O leilão

A determinada hora, era o leilão. Em cima de uma carrinha, o leiloeiro, com um pequeno altifalante, começava por arranjar um lote: um jogo de cama e uma colcha, por exemplo, dava-lhe um preço, mas, depois, ia acrescentando mais uma coisa e mais outra e outra ainda, tantas que, a determinada altura, a pessoa que estava a segurar estas mercadorias já não se via debaixo delas. O leiloeiro tentava, por diversas vezes, acabar o leilão: “é para quem”? A ver se além dizia: “é para mim”. Mas, as pessoas que conheciam o processo esperavam, esperavam, mesmo que quisessem comprar, a ver se ele acrescentava mais alguma coisa.

 

O romance de cordel

Muitas vezes, havia nos mercados e nas feiras uma espécie de teatro musical, com uma pessoa a tocar e outra a cantar. Era uma história contada em verso, acontecida num determinado local, acerca de uma grande desgraça (mortes, desonras, traições...), na família, entre amigos, vizinhos, namorados...

Era um drama; , as pessoas que se juntavam a ouvir quase choravam, muitas acabavam por comprar a história que se vendia numa folha de papel.

Os comes e bebes

Os mercados duravam o dia todo, tinha de se levar uma merenda ou comer alguma coisa, nas tabernas ou nas barracas de comes e bebes, que por lá havia. O mais habitual era uma salada de atum ou de bacalhau, com pão de quartos, vinho simples ou traçado e sumos. Também havia bolos de bacalhau, carapau frito, iscas e outras coisas mais. Ainda há comida nas feiras, grelhados, fritos..., mas, como em tudo, houve, ao longo do tempo, mudanças.

O alboroque

Como eu o recordo, o alboroque era uma forma de celebrar um negócio dalgum valor que tinha corrido bem; acabava-se de comprar uma vaca, por exemplo, ia-se beber o alboroque, o comprador, o vendedor e os amigos que tinham ajudado a levar o negócio a bom porto.

 

 

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Coisas dos mercados e feiras (1)

 Havia coisas típicas dos mercados e das feiras que foram desaparecendo com o tempo, mas que muitos ainda recordam, certamente.

O regateio

Nos mercados e feiras tinha-se de saber regatear, para se poder comprar por um preço mais ou menos de acordo com o valor do produto que fosse. Pediam sempre muito mais, às vezes, o dobro do valor. Fosse o que fosse que se comprasse, era preciso oferecer menos, muito menos. A única maneira de não comprar mal, era perguntar o preço da mesma coisa, em várias tendas, não comprar na primeira e começar por oferecer uma quantia baixa, para dar margem para o regateio. Os vendedores, sempre que podiam, sempre que tinham margem de lucro, entregavam as coisas; mas, quando podiam vender, deixavam as pessoas ir embora. E o freguês é que decidia se queria voltar lá ou não.

O reclame

Estava sempre o homem ou a mulher do reclame a anunciar o milagre da pomada da “banha da cobra” que curava tudo, que se podia pôr em todo o lado, só em cima de feridas é que não – muitas pessoas acreditavam nesta pomada do reclame; do chá africano que tratava todas as doenças; do remédio que aliviava os calos...e muitas coisas mais eram anunciadas.

sábado, 29 de agosto de 2020

Mercados e feiras do Sabugal

Regresso do mercado ao centro do Sabugal
Tendas do mercado do Sabugal

Os mercados e as feiras do Sabugal

Há, no Sabugal, dois mercados mensais, na 1ª quinta-feira e na 3ª terça-feira de cada mês, e duas feiras anuais, a de São Pedro, dia 29 de junho, e a das melancias, na 1ª quinta-feira de setembro. 
As feiras eram muito fortes, havia muitas tendas, muita gente a vender e a comprar. Era um acontecimento para as aldeias, às vezes, dizia-se aos miúdos: “se te portares bem, se fizeres isto ou aquilo, levo-te à feira”. Nos dias de feira, até, podia haver baile, era como se fosse uma festa.
Primeiro, ia-se ao mercado de burra, aparelhava-se com a albarda e os alforges, onde se levava o que era preciso. Em cima, podia ir uma pessoa a cavalo e a segurar um “talego” ou uma cesta, com o que fosse necessário levar, dependia da época do ano e do que se tinha para vender. Num tempo em que quase não havia dinheiro, tinha de se levar o que vender – podiam ser queijos, ovos, sementes, galinhas, frangos..., o que houvesse em casa – para se poder comprar o que fizesse mais falta, com esse dinheiro que se fazia.
Tinha de se ir cedo e contar com as duas horas do caminho, para não se chegar tarde; quando isso acontecia, já não se vendiam, nem se compravam, as coisas da mesma maneira, embora os mercados fossem o dia todo. Quando se chegava, descarregava-se a burra, onde se queriam deixar as coisas e ia-se prendê-la a um certo lugar – quase todas as pessoas tinham, mais ou menos, um curral ou um sítio onde pôr a burra em segurança.
Os mercados já estiveram em vários locais, primeiro, eram dentro da vila, aí pela fonte, rua das Tílias, espaço frente à câmara e ao chafariz e noutros sítios; depois, foram mudados para a rua e o espaço perto cemitério e agora já são noutro lugar. Havia o mercado das sementes, o mercado ovos, coelhos e galinhas; o mercado do gado; e o mercado das tendas com loiça, ferragens, lata e latão, alumínio, ouro (havia muitos ourives nos mercados), roupa, calçado...