terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Produtos e tradições alimentares - o pão (4)

  

Preparar o forno   

Deitava-se o lume e depois com um ranhadouro, um pau grande, comprido, mexia-se a lenha dum lado para o outro, para que as paredes do forno e o teto ficassem bem quentes. 

Sabia-se que, quando as pedras ficassem brancas, o forno estava quente; nessa altura, puxava-se o borralho que ficava, para fora, com um rodo e varria-se com um varredouro que se molhava na água, senão ardia logo; era um pau comprido com um molho de farrapos na ponta. Depois do forno bem varrido, começava-se a meter o pão com uma pá. Havia um sítio, onde se punham os tabuleiros do pão.

Cozer

O pão era colocado, no forno, à vez; terminada uma volta, começava-se outra. E toda a gente metia, na sua vez, até ter pão, quem tinha menos pão, deixava de meter mais cedo, quem tinha mais, continuava, até terminar. O pão tinha de ir para o forno assinalado, para se saber, ao tirar, de quem era: ou com um sinal feito na massa, com um pauzinho, alguma coisa.

Crescia, tomava cor e quando, pela aparência, se via que estava cozido, tirava-se um, batia-se na parte debaixo e se estivesse cozido dava logo aquele som clarinho, se não, era aquele som pesado e tinha de se voltar a meter e esperar que cozesse bem. Quando se tirava o pão, a dona agarrava nele, com um pano nas mãos para se não queimar, punha-o de novo no tabuleiro e embrulhava-o. 

sábado, 26 de dezembro de 2020

Produtos e tradições alimentares - o pão (3)

 

Desamuar o forno

Eram sempre duas ou mais pessoas a desamuar o forno; cá era de quinze em quinze dias, mas, em muitas terras, era todas as semanas. Desamuar o forno era deitar-lhe o lume, aquecê-lo para a primeira fornada. Era preciso muita lenha, um carro ou mais de giestas e piornos, daquelas giestas negrais com toros grossos; no verão, não era preciso tanta lenha, mas no inverno, um carro de mato, nem sempre chegava. Às vezes, a lenha estava toda molhada, era uma trabalheira, desamuar o forno.

Desamuava a quem tocava, era à vez; não eram sempre os mesmos, regra geral, era quem tinha homens e carros de vacas para acartar a lenha, o primeiro forno era muito trabalhoso. Depois de desamuado, o forno estava sempre a funcionar, até todas as pessoas cozerem. A cada fornada, deitava-se de novo o lume, mas já não era preciso tanta lenha, cada pessoa levava um feixe bom e quase sempre dava. Só, quando as pessoas tinham o pão finto é que deitavam de novo o lume.

 

A fornada

De cada vez, podiam cozer o pão quatro ou cinco famílias, conforme o que cada uma cozia, havia pessoas que coziam muito pão, tinham muitos filhos. Às vezes, alguém queria cozer e perguntava: - Posso cozer convosco?

Se cabia, não havia nenhuma dificuldade, mas, quando já se via que não cabia mais pão, dizíamos: - Ai Jesus que já não cabe mais pão!

Mas, se não houvesse outra maneira, tinha que se apertar mais o pão e essa pessoa não ficava sem cozer. No geral, eram quase sempre as mesmas parceiras, nós eramos quase sempre com as mesmas. Às vezes, cozia-se de noite, para não arrefecer o forno, era preciso ir lá ao cimo do povo avisar as pessoas. Cozia-se de noite, para nunca arrefecer o forno, e para se deitar de novo o lume, tinha-se de saber se já todas tinham o pão finto, porque enquanto se tendia e se chegava, os homens preparavam o forno. 

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Produtos e tradições alimentares - o pão (2)

 

Peneirar

A farinha peneirava-se para a maceira, onde se ia para amassar o pão, com uma peneira de pano fininho; comprava-se nos mercados. Havia umas mais bastinhas e outras mais ralas; quando se queria o pão fino e branco, peneirava-se até duas vezes. Esta farinha grosseira, que se tirava da peneira mais fininha, não se estragava, quando se amassava, fazia-se uma bola de pão, numa barranha à parte, ou numa ponta da maceira.

Peneirar o pão era uma “ciência”; o pão ficar bom ou não dependia da farinha, se fosse peneirada com uma peneira grossa, para se aproveitar quase tudo, era certo que não ficava branquinho. O que ficava na peneira, o farelo, ia-se deitando num saco ou numa vasilha e era utilizado nas viandas dos porcos. 

 

Amassar

Fazia-se uma cova naquela quantidade de farinha, punha-se a água que era precisa, sempre morna, já com o sal e o fermento dissolvidos; amassava-se tudo muito bem amassado, de dentro para fora, até estar tudo bem envolvido e bem amassado. Não chegava só misturar, tinha-se de bater a massa para ficar o mais fina possível, claro que cada pessoa fazia da forma que podia. No final, espalhava-se um bocadinho de farinha por cima da massa, alisava-se, punham-se umas cruzes e fazia-se uma reza:

- Deus te finte e Deus te acrescente, que és para muita gente. À Senhora do Castelo, que te faça bem belo. À Senhora do Mercado, que te faça bem olhado.

Muitas pessoas amassavam e não faziam nada, mas muita gente fazia estas rezas, acreditando que o pão se ia fintar bem e ficar bom.

 

O fermento

O fermento ficava dumas vezes para as outras. Do pão finto, tirava-se uma tigela de massa, para servir de fermento para a próxima vez. Ficava nessa «malguinha» de barro, acautelado, até voltar a ser preciso.


Tender

Quando estava crescido, duas ou mais vezes o volume da massa, punha-se a mão por cima e, se estivesse levezinha, o pão estava finto e podia-se começar a tender. A tender já não se dava muita volta, tirava-se uma porção, faziam-se pães grandes, dava-se a forma redonda, alisava por cima com um bocadinho de farinha e punha-se dentro do tabuleiro, coberto com um pano branco, de estopa, de linho ou de pano-cru, conforme o que cada pessoa tinha.

Ao colocar-se cada pão, fazia uma dobra com o pano, para se irem separando os pães uns dos outros. No final, com o resto do pano, cobria-se todo o tabuleiro. O pão ia limpo e embrulhadinho para o forno. Um tabuleiro levava muito pão, pelo menos duas “carreiras”. Eram as mulheres que levavam os tabuleiros à cabeça, usavam uma “molídia” para poderem suportar o peso em cima da cabeça.

 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Tradições alimentares - O Pão (1)

 O pão era o principal alimento de todas as famílias. Era quase uma coisa sagrada: quando se deixava cair um bocadinho de pão, no chão, apanhava-se, limpava-se, beijava-se e não se deitava fora. Ganhar o pão de cada dia, ter dinheiro para o pão..., eram expressões que mostram bem o valor deste alimento.

 

Moer o grão

O centeio em grão guardava-se em tulhas ou em arcas grandes e ia-se moendo ao longo do ano. Os ricos tinham tulhas grandes, aos pobres qualquer arca chegava. Dessas tulhas, vendiam aos pobres, quando estes já não tinham e precisavam de o comprar.

De vez em quando, ia-se moer o pão; quase sempre se moía para mais de uma vez, para não se andar, a toda a hora, a caminho da moagem. Havia moinhos de água no Sabugal e uma moagem mecânica em Pousafoles. 

Houve tempo em que os moleiros vinham ao povo buscar o pão, quem queria dava a moer, neste caso, era mais descanso, mas a maquia – a parte de farinha a dar ao moleiro pelo trabalho – era maior. Eram moleiros que viviam ao pé do Côa, vinham com os burrinhos buscar os taleigos de pão e depois traziam a farinha de volta. Cada burro levava bastantes sacos de pão. A farinha dos moinhos de água era tão boa como a da moagem.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Leite - o cardo, a tábua dos queijos (2)

 

O cardo


O leite era coalhado com cardo, um produto natural, uma planta que as pessoas tinham nas hortas e dava uma flor roxa, tipo fios; colhia-se essa flor, puxando todos esses fios, secavam-se e guardavam-se.

O cardo moía-se com uma areia de sal, numa tigela de barro, com o cabo de uma faca ou um utensílio apropriado, depois deitava-se um bocadinho de água ou de leite, misturava-se tudo e coava-se por um pano fininho ou por um coador – o que se deitava na panela era um líquido limpinho.

 

A tábua dos queijos


A maneira de “curar” os queijos era pôr-lhes uma ligadura à volta quando se tiravam do acincho e pô-los numa tábua a secar. Quem tinha queijos na tábua todos os dias tinha de os tratar: lavá-los, virá-los, tirar ou pôr ligaduras aos que ainda precisassem, mudar o pano da tábua... 

Quando estivessem secos, tiravam-se e guardavam-se; podiam durar muito tempo.





sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O leite: a ordenha e o queijo

 

A ordenha da vaca (F: freepik.com)

As vacas eram ordenhadas todos os dias, de manhã e à noite; muitas pessoas faziam um ou dois queijos por dia, conforme o leite que tinham; com sete, oito, litros já se fazia um queijo.


Fazer o queijo


O leite tinha de ser todo bem coado, antes de se pôr na panela de ferro, a amornar ao lume; não podia aquecer muito. Depois, deitava-se-lhe o cardo moído e esperava-se que coalhasse; quando estivesse bem coalhado, fazia-se o queijo.


O acincho e a francela


Para fazer o queijo, eram precisos um acincho e uma francela ou um prato grande. O acincho era uma espécie de aro de metal, com «furinhos» para sair o soro, que se abria e fechava, conforme a “grandura” do queijo.

A francela era um objeto de madeira, um pouco mais baixo que um banco da cozinha, com uma parte larga, onde se colocava o acincho e uma parte estreita, por onde o soro escorria diretamente para um caldeiro; não era preciso andar a deitar o soro cada vez que o prato se enchia, era mais prático.


Antes de se começar a fazer o queijo, mexia-se bem a coalhada, tirava todo o soro com uma concha e deitava-se, pouco a pouco, a coalhada no acincho, desfazendo-a com os dedos e apertando para ir saindo o soro. Era um trabalho que levava tempo, não se podia ter pressas.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A matança . a salgadeira, o jantar dos ossos e das banhas (8)

 

                                                        Uma salgadeira antiga (F: Gesteira)

 

A salgadeira

 A salgadeira era uma arca de madeira, onde se guardava, no sal, o que tinha sobrado da matança do porco: as peças de carne gorda, os ossos, os pés, o focinho, as orelhas. O presunto que também ficava um tempo na salgadeira.

A salgadeira ia, depois, pouco a pouco, ficando vazia: primeiro eram os ossos e as banhas; a seguir o presunto, no carnaval os ossos, os pés, o focinho e as orelhas; ficava alguma carne gorda.

 

Cozer os ossos e derreter as banhas

Passado algum tempo, não muito, derretiam-se as banhas e coziam-se os ossos. A família era outra vez convidada para um almoço ou um jantar.

As banhas partiam-se aos bocados e punham-se a derreter numa panela; com a ajuda de uma colher de pau, ia-se espremendo, espremendo, até sair toda a gordura e ficar só a febra das banhas, muito frita, parecia quase tostada, chamam-se “chichorros”; comidos com batatas e couves, são muito bons.

A untura

A gordura das banhas, antes de coalhar, deitava-se num pote de barro ou noutra vasilha e guardava-se para temperar o ano todo, ficava num armário da cozinha, para estar sempre à mão. Era a gordura que as pessoas mais utilizavam, pelo menos na sopa, punha-se uma colher de untura e um fio de azeite e ficava boa. Agora, já ninguém fala deste tempero, caiu em desuso quase completamente.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A matança - os enchidos (7)

  

Os chouriços dos coiros

Dos coiros que ficavam, quando se desmanchava e se tiravam as febras, faziam-se os chouriços dos coiros; eram partidos aos bocadinhos pequenos e temperados como as chouriças, mas levavam mais tempo a curtir; quando estivessem bons, eram enchidos nas tripas mais grossas do porco, o “palaio” e a bexiga.


As farinheiras

As farinheiras faziam-se na água, onde os ossos tinham sido cozidos. Nessa água, punha-se toda a gordura que se tinha tirado, quando se partiram as febras; partiam-se bem partidas, o mais fino que se pudesse, deitava-se pão, pimento, podia ser também farinha e massa de botelha (nem toda a gente fazia da mesma maneira), amassava-se tudo bem amassado, via-se o sal e enchiam-se, de seguida.

Nesse tempo, muitas pessoas faziam várias varas de farinheiras, era um enchido barato, bastava ter gordura e pão, para se acrescentar a massa e fazer mais uma vara.


As varas do enchido

Todo o enchido era colocado em varas (paus de pinho, de mais de dois metros) que se colocavam no caniço. Normalmente, levavam duas dúzias de chouriças, colocadas, mais ou menos, de dez em dez centímetros.