sábado, 25 de janeiro de 2020

Os Cruzeiros



Há três cruzeiros: duas Alminhas e um Calvário.

As Alminhas

As Alminhas da Cruzinha
 
As Alminhas do Fundo do Povo

As Alminhas ficam ao fundo do povo e à cruzinha, à entrada e à saída da aldeia, para lembrar, a quem passa, que devemos rezar pelas almas do purgatório. Têm uma representação do purgatório e um dizer: “Vós que estais passando lembrai-vos dos que estão penando”.

A Cruz



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O Calvário é a cruz que está ao fundo do adro, com a inscrição: JNRJ (Jesus Nazareno Rei dos Judeus). A parte superior tem símbolos da paixão e morte de Cristo: a coroa de espinhos, ao centro; o martelo e os pregos, de cada um dos lados. A parte vertical tem um cálice. Está assente sobre uma base, onde se encontra o desenho de uma caveira a lembrar-nos de que somos mortais. 

O adro da igreja



O adro




O adro é o mesmo espaço que ainda existe hoje, mas sem muros e sem portões; não era raro, ver cabras ou burros a pastar no adro e pessoas às “leitugas” ou às ervas para os coelhos. Talvez, ainda na década de oitenta, foi murado com um muro em blocos de cimento e colocados dois portais, um bastante grande ao fundo e outro menor à frente do alpendre. Há pouco tempo, houve o melhoramento do adro, tiram os blocos de cimento e puseram um muro de pedra.
Ao longo do tempo, houve pessoas que plantaram árvores dentro o adro, pinheiros mansos, mimosas..., e outras plantas e flores junto à igreja e aos muros do cemitério, algumas já bastante grandes.

A mesa de pedra

 
A mesa onde colocavam as ofertas da festa
A mesa de pedra, em frente à varanda do sino, foi ali colocada para servir para a arrematação das janeiras dos santos – cá arrematavam as janeiras de Santo António e de São Sebastião – e também para pôr os tabuleiros das ofertas nas festas de Santo António.


As arrematações no fim da missa



As arrematações nas escadas da varanda

A varanda das arrematações de antigamente 
A seguir à missa, os mordomos arrematavam, nas escadas da varanda do sino, as esmolas que as pessoas tinham dado em géneros. Podiam ser enchidos, queijos, azeite, um coelho, uma galinha…, o que se tivesse em casa e se visse que podia render a importância que a pessoa desejava dar de esmola.

Os mordomos faziam as arrematações

Se eram esmolas para o Santíssimo, era o mordomo da igreja que fazia as arrematações; mas se fosse para Santo António ou outro santo, eram os mordomos desses santos que arrematavam as esmolas. O mordomo perguntava, a quem oferecia: “peço quanto?” E a pessoa dizia uma quantia. Era essa quantia que, depois, pedia:
- “Vai a arrematar por tanto (dizia o preço), quem dá mais?”
E assim começava a arrematação. Às vezes, havia várias arrematações, mas não era confuso, as pessoas ouviam, levantavam o braço e ofereciam dinheiro, para cobrir o lance anterior. Quando duas ou mais pessoas estavam interessadas na mesma coisa, assistia-se a um despique, o valor subia e rendia bem; outras vezes, não era assim, havia poucos interessados e rendia menos.
Só muito mais tarde, as pessoas deixaram de dar géneros, as esmolas passaram a ser dadas apenas em dinheiro, como ainda hoje acontece.

sábado, 18 de janeiro de 2020

O sino, os diferentes toques...



O sino da igreja


A torre sineira 

A igreja tem uma pequena torre com um sino, aonde se sobe por uma varanda. O toque do sino era muito importante, nesse tempo, em que quase não havia relógios; tocava-se não apenas para a missa e outras rezas, mas também para as crianças saberem que era hora de irem para a escola e sempre que se queria juntar o povo, para tratar de qualquer assunto que fosse do interesse de todos.

Tocar à missa

Nas missas do domingo, havia três toques, ainda hoje é assim: a primeira, uma hora antes; a segunda, meia hora antes; e três badaladas, mesmo antes de começar. Nas missas dos dias de semana, tocava-se só uma vez.

Tocar às Avé-Marias

Logo de manhã cedo, antes do sol nascer, tocavam às Ave-marias: - olha que já estão a tocar às Ave-marias, levanta-te, põe-te a pé” – diziam muitas vezes as mães e os pais aos filhos.
Tocavam três badaladas seguidas, depois faziam uma pequena paragem, repetiam mais duas vezes e no final tocavam um bocadinho seguido, nove ou dez badaladas, mais ou menos.
Rezavam-se três Ave-Marias:
- O Anjo do Senhor anunciou Maria e ela concebeu pelo poder do Espírito Santo, Ave- Maria.
- Eis, aqui, a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa Palavra, Ave-Maria.
- O Verbo Divino encarnou, fez-se homem e habitou entre nós, Ave- Maria.

Tocar às Trindades

Era o mesmo toque das Ave-Marias e a mesma reza. Tocava-se às Trindades junto ao escurecer, depois do pôr-do-sol; quando se ouvia tocar às Trindades, sabia-se que era hora de deixar a lida do campo e de regressar a casa.

Tocar a sinais

É um toque diferente. Toca-se uma badalada, espera-se um momento e tocam-se mais duas badaladas, repete-se esta sequência duas vezes seguidas, se for mulher, e três vezes se for homem; depois faz-se um intervalo e repetem-se os sinais as vezes que se achar bem.
Quando morriam anjinhos, bebés e crianças pequenas, também tocavam sinais, mas o toque era diferente.

Tocar de aflição

Quando havia um fogo (incêndio), um animal caía para um poço, um carro de vacas se virava num caminho ou numa ribanceira ou em outra qualquer aflição que houvesse no povo, tocava-se o sino a rebate, muito depressa, sem parar.
Quem ouvia sabia logo: - alguma coisa aconteceu!
Estivessem onde estivessem, em casa ou nos campos, todas as pessoas vinham ver o que passava e acudiam.

O relógio do sino

Durante muito tempo houve um relógio que, por um sistema de altifalante, colocado na torre da igreja, dava as horas e assinalava as meias e os quartos de hora.
O relógio continua na igreja, está a um canto numa das paredes da capela-mor, mas já não dá horas para o povo.[1]



[1] O relógio da igreja foi oferecido pelas senhoras: Maria Silvina e a sua irmã Antónia. 

A igreja



A igreja

A igreja de Águas Belas
É uma igreja com inscrições que nos levam até ao século XVII. A data mais antiga está no púlpito, 1692, e deve corresponder à primeira construção do edifício. Muito tempo depois, em 1756, construíram a capela-mor, data que aparece inscrita duas vezes, no interior, no arco da capela-mor e, no exterior, na janela da mesma capela. Na coxia, pode ler-se a data de 1849, e no alpendre, há a data de 1952, no entanto, em cima de uma das duas lápides funerárias, aí existentes, há uma data do século XIX. Somos, por isso, levados a pensar que existiram aumentos e reconstruções, ao longo do tempo.
É uma construção granítica, com uma porta grande, ao fundo, por baixo do alpendre, e uma porta pequena, numa das fachadas laterais que dá para o adro; é composta por uma nave central e uma capela-mor.

A nave central

Na nave central, temos dois altares laterais: o do lado direito, em honra da Nossa Senhora do Rosário, ladeado por São José e Santa Teresinha, existindo ainda outro santinho a um lado do altar; e o do lado esquerdo, em honra do Imaculado Coração de Maria, ladeado pelo Sagrado Coração de Jesus e São Caetano, e ainda a imagem do Menino Jesus. São altares antigos, em talha dourada.

A capela-mor

A capela-mor, inicialmente, também, em talha dourada, sofreu um incêndio, nos anos setenta, e, agora, apresenta uma reconstrução moderna. Na parede frontal, está o Sacrário e a Cruz, ladeada por dois pequenos altares: o do lado direito, em honra da Nossa Senhora de Fátima e o do lado esquerdo em honra da Santa Maria Madalena – a padroeira da igreja. Na parede do lado esquerdo, está o altar em honra de Santo António. Em frente, ao sacrário, fica o altar-mor onde se celebra a missa. Na capela-mor há uma porta que dá para a sacristia, onde existe um pequeno arquivo e armários com paramentos, toalhas dos altares e outros objetos destinados ao culto, como confessionários. Numa parede da sacristia, há um lavatório de pedra, metido na parede e coma data de 1756.
O púlpito[1] era o lugar onde se costumavam fazer os sermões, antigamente, há muito tempo que não é assim, agora, todas as homilias são feitas a partir do altar-mor. Nas paredes interiores, na parte superior, podemos ver catorze quadros antigos, mas com imagens nítidas e muito expressivas da via-sacra. Ao fundo da igreja, fica a pia batismal, em pedra. Há também um coro, de onde muitos homens gostam de assistir à missa.

O alpendre


O alpendre tem duas campas antigas, uma delas, com uma inscrição bem visível, do Reverendo Manuel Quadrado Ribeiro que, nos finais do século XIX, foi pároco nesta igreja[2]; no caso da outra campa, por impossibilidade de se poder ler o que sobre ela está escrito, não se pode confirmar a quem pertencia.



[1]Tem uma inscrição em latim que o senhor Padre Francisco explicou que significava “não cesses de falar”, no jornal de Águas Belas que ele publicava – colocarei essa página em anexo. 
[2]Através da consulta dos registos paroquiais da altura, no Arquivo Distrital da Guarda, pode confirmar-se esta informação.

domingo, 12 de janeiro de 2020

Património Público - ruas, largos e terreiros


Todas as aldeias se organizavam à volta de bens públicos e todas as pessoas procuravam ter os bens privados que lhes permitissem suprir as necessidades mais básicas da sua vida familiar e pessoal.

Bens públicos


Falo aqui de bens que pertenciam a toda a população e davam apoio à vida e às necessidades diárias das pessoas que aqui viviam; bens que desempenhavam uma função determinada na vida da comunidade.

As ruas, largos e terreiros

Rua do Meio

A aldeia tem duas ruas principais: a rua da Carreira e a rua do Meio que vão do largo do Fundo do Povo ao largo da Capela. Vai-se, de uma rua para a outra, através de travessas: a do Terreiro, a da Praça, a do Marques; na rua do Meio, também há várias travessas, para o largo da fonte Velha, uma à praça, outra ao forno, outra do lado de cima do forno e ainda outra quase ao cimo rua.
A seguir ao largo da capela, há um caminho que vai na direção da escola e duas ruas que vão para o Calvário, uma na direção do ribeiro, e outra na direção do cimo do povo; entre estas ruas há também travessas.
Já nos anos oitenta se começou a estender o povo para a Cruzinha, onde há um conjunto de casas novas que se prolongam à beira da estrada que vai para o Sabugal.
Os locais são identificados com os nomes de: igreja, fundo do povo, terreiro, praça, fonte velha, fonte nova, capela, calvário, ribeiro, escola, cruzinha.

O dia a dia - Os serões



Os serões de trabalho

 Quando falamos dos serões, recordamo-nos das longas noites de inverno, ao lume, à luz da candeia ou do candeeiro de manga, a petróleo. No tempo mais antigo, as mães ocupavam-se a fiar, a fazer farrapos, meias de algodão ou lã (com cinco agulhas), a remendar a roupa, a costurar à mão...; as filhas a fazer rendas e a bordar toalhas ou camas, preocupadas em fazer o enxoval; os homens teciam “moxos”, bancos de palha, faziam tamancos, coziam e deitavam “tombas”, em calçado que precisasse de conserto.

Os serões de convívio

 Mas também havia serões só para conviver e passar o tempo; as pessoas conversavam umas com as outras, contavam histórias, jogavam às cartas… Iam, muitas vezes, passar o serão a casa de familiares, de vizinhos ou de amigos – era um hábito.


O dia a dia - ir à lenha



Ir à lenha

Gastava-se muita lenha, tudo era feito e aquecido ao lume, mas o inverno não se podia comparar ao verão, no que toca a gastar lenha; o lume estava sempre aceso. Quem tinha pinhais e tapadas, com giestas e piornos, ia buscar lenha, na burra ou no carro das vacas; preocupava-se, a tempo e horas, em arranjar e em arrecadar lenha miúda e também lenha grossa, cavacos, para o tempo ruim.

Ir ao feixe

As pessoas que não tinham lenha, eram as que mais iam ao feixe; iam de fugida, com medo que aparecesse o dono. Traziam feixes de giestas, de piornos, de ramos e de galhos; não havia giestas grandes, como agora que ninguém vai à lenha. Às vezes, tinham de ir longe, para a Fonte Ferrenha, para o Grilo, para a Malhadinha...; havia rapazes fortes que traziam feixes tão grandes que nem se viam debaixo deles.
Mas, podia acontecer que o dono dissesse: - “Olha, vai, além, ao meu pinhal ou à minha tapada, buscar uns feixes de mato”. Então, a pessoa ia com ordem, sem medo de ser apanhada, levava uma burra ou um carro e trazia a lenha.
Se fosse apanhar pinhas não havia problemas; sempre se pôde ir aos pinhais alheios, os donos não diziam nada. As pessoas de mais idade, que não podiam andar ao feixe, nem tinham quem fosse a ele, quase só gastavam pinhas; entrava-se naquelas cozinhas e o que via era um “canto” cheio de pinhas.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O dia a dia - o trabalho no campo


 Dependendo da época do ano, assim era o trabalho no campo. Não era só o trabalho nos “chões”, a semear e a tratar o renovo, era também todo o trabalho relacionado com a comida e a cama do vivo e ainda com a lenha que era preciso trazer para casa. 



Tratar do renovo 


Depois das sementeiras, março e abril, havia sempre que fazer nos “chões”. O verão era o tempo de mais trabalho e do trabalho mais duro: os fenos, as ceifas, as malhas, as regas...; saia-se logo de madrugada, para aproveitar o fresco da manhã; pela hora do dia, ninguém podia aguentar o calor, tinha-se de estar em casa; só pelas quatro, cinco, horas se voltava de novo aos campos, até ao anoitecer. No fim do verão, ainda havia muito trabalho, tinham de se tirar as batatas, de fazer as vindimas e de apanhar a castanha e a bolota...
E mesmo de inverno, o trabalho no campo nunca acabava. Era preciso acartar a comida e a cama para o vivo.
   

Ir à comida e à cama do vivo 


Todos os dias se tinha de tratar da comida do vivo, ir à erva, ao milho, à ferrem, aos nabos..., ao que houvesse nos campos e os animais pudessem comer na loja.
Também, a cama do vivo era um trabalho diário, feita com rama de giestas, cortadas para isso, com palha, “figueitos” (fetos) e outro palhiço que houvesse nos campos e se pudesse trazer. De vez em quando, tirava-se o estrume da loja e renovava-se toda a cama.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

O dia a dia - o trabalho do vivo


 Era um trabalho diário que ocupava mais do que uma pessoa. Era preciso tratar dos animais na loja de manhã e à noite e durante o dia levá-los a pastar.

Na loja

 Logo de manhã cedo, mais, os homens, iam deitar de comer a todo o vivo da loja, erva, milho, ferrem, nabos...; também, ordenhavam as vacas e as cabras, se fosse altura disso. Às vacas, no tempo frio, davam “beberagens”, caldeiros de água quente, com nabos partidos e farelo. À noite, outra vez, era preciso deitar comida, fazer a cama, ordenhar..., chamavam-lhe “acomodar o vivo”.


Na pastagem 


Um lameiro de feno e pastagem

  Todos os dias, se o tempo estivesse bom, se levava o vivo a pastar, para lameiros, tapadas e “chões”, onde houvesse erva e pudessem comer. No verão, por causa do calor, levava-se umas horas, pela manhã, depois, trazia-se para a loja e só voltava a sair, pela tarde. No inverno, muitas vezes, por causa do tempo mau, o vivo não podia sair, então, deitava-se-lhe mais comida na loja.
Havia certas pastagens, com paredes ou arame farpado e cancelas, onde se podia fechar o vivo, nesses casos, ia-se levar de manhã e só se ia buscar à tarde, mas o que acontecia, mais vezes, era ter-se de guardar.
Guardar o vivo era um trabalho que ocupava os mais velhos e também as crianças; não era difícil, mas exigia responsabilidade, não podiam deixá-lo saltar para os “chões” das outras pessoas, a comer o renôvo ou a fazer outros estragos. Sempre, os pais recomendavam: “não tires os olhos do vivo, cuidado com as cabras, não quero que saltem para lado nenhum, não quero queixas de ninguém”. Podia, uma vez, isso acontecer, mas quem guardava o vivo tinha todo o cuidado.