terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O dia a dia - lavar a roupa


A presa do Marques ou da Fonte Nova 

Lavar na presa 

A roupa era lavada nas presas e nos ribeiros; nesse tempo, não se mudava a roupa a toda a hora, andava-se a semana inteira com o mesmo fato, às vezes, andava já muito sujo, claro. Mas, também havia quem não gostasse de andar sujo e, então, muitas vezes, lavava-se a camisa à noite para se vestir de manhã.
Lavar era uma tarefa difícil e demorada, mais, para quem tinha uma família grande e muitos filhos pequenos, eram sempre grandes alguidares de roupa; passavam-se manhãs e tardes inteiras na presa.

O banco de lavar


Muitas pessoas levavam para a presa um banco de madeira, para não se molharem, enquanto lavavam a roupa; ajoelhavam-se nesse banco, uma espécie de caixa, com uma base, os lados e a frente.

sábado, 28 de dezembro de 2019

O dia a dia - ir à fonte

A fonte Velha

Ir à fonte

Era um trabalho que todos os dias se tinha de fazer, até, mais do que uma vez. Ia-se de manhã, à noite e quando se precisava; quem gastava muita água, andava o dia todo a caminho da fonte.
A fonte era também um ponto de encontro e de conversa, nunca se ia lá que não se encontrasse alguém a ir, a vir ou parada no caminho a descansar; trazer um cântaro cheio, em cada mão, não era fácil, pelo menos para os que tinham menos força. Era até mais fácil trazer dois do que só um, porque ficava a força dos braços mais equilibrada.

O carrinho da fonte

Muitas pessoas, pelo menos, as que viviam mais afastadas da fonte, tinham um carrinho de mão, com uma espécie de estrado, com dois buracos circulares, onde se colocavam os cântaros. Facilitava muito, mas era preciso saber levá-lo, ter força, direção e escolher o caminho; não era para os mais novos que podiam, sem querer, deixá-lo virar.


quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O dia a dia - a limpeza da casa




Varrer  


Havia sempre uma vassoura feita de giestas para varrer as casas e as varandas. Arranjava-se um molhinho de giestas, com os toros para um lado e a rama para o outro, punha-se um “arganel”, feito também de giesta, a unir os toros, e, com uma faca ou uma podoa, arredondava-se a rama – estava a vassoura feita. Também se faziam de junça; depois de seca, fazia-se um entrançado, na parte de cima, para a junça ficar toda virada para baixo, arredondava-se e punha-se-lhe um cabo de pau. Eram mais bonitas e duravam mais; as vassouras de giestas secavam rápido e depois varriam mal.


Roçar  

  
As casas também se roçavam, com água e sabão: ia-se molhando o soalho, com um pano do chão, punha-se sabão por todo o lado, roçava-se com uma escova de “piáça”, no fim, limpava-se outra vez com água limpa. Havia casas que estavam sempre num “brinquinho”, mais, as que tinham raparigas novas que se davam a esse brio; havia outras que era como calhava, umas pessoas varriam todos os dias e roçavam todas as semanas e outras só o faziam de vez em quando, pelo menos roçar.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O dia a dia - a lida da casa

A casa ocupava grande parte da vida das mães e até das filhas, logo que podiam fazer alguma coisa, começavam a ajudar as mães.
  

A lida da casa 


Pela manhã, ainda cedo, todas as pessoas acendiam o lume para fazer uma sopa de feijão, de couves ou só de batatas, temperada com um bocadinho de "untura" e um fio de azeite, para o almoço. Ao meio-dia, era o jantar – não se chamava almoço, como agora – comiam-se batatas no molho, com azeite e cebola, ou algum enchido, se havia.
Pela tarde, podia-se comer um bocado de pão seco, sem nada, ou com um bocadinho de queijo, chouriça, carne gorda, azeitonas..., dependia sempre das posses das pessoas e da época do ano. À noite, à ceia, outra vez sopa de couves, de feijão, de nabo..., fazia-se de muita coisa. Tudo cozinhado em panelas de ferro e ao lume; só, no princípio dos anos setenta se começaram a comprar os primeiros fogões a gás.

A loiça  

  
Como se tinham de fazer as viandas dos porcos, passava-se a loiça primeiro em água quente, para tirar a gordura e depois em água limpa; lavava-se em alguidares de lata, em barranhas de barro ou em caldeiros. Depois de lavada, deborcava-se numa barranha e cobria-se com um pano, até à próxima refeição.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

O dia a dia - o convívio na rua

A vida decorria com momentos bons e maus, dificuldades e preocupações, mas, apesar de tudo, muitas pessoas recordam esse tempo como um tempo em que havia alegria e união entre as pessoas.

O convívio na rua


As ruas eram a continuação das casas, quase todas muito pequenas. Estavam sempre cheias de gente: sentadas a uma “abrigadinha”, se era inverno, a uma sombra se fosse verão e fizesse calor, ou resguardadas, debaixo de cabanais e de varandas, se houvesse chuva.
Eram o lugar das brincadeiras, dos jogos, das conversas, com os irmãos, os primos, os amigos e os vizinhos... Como a aldeia era pequena, todas as pessoas se conheciam e eram amigas. Havia um forte sentido de entreajuda, de amizade, de andar na malta, de estar uns com os outros e de aproveitar o que se tinha, mesmo que fosse pouco.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A situação das famílias - os mais velhos

Todas as pessoas trabalhavam no campo, até poderem. À medida que iam ficando com menos forças, iam também deixando de cultivar os campos e de ter vivo. Começavam por vender as vacas, se as tivessem, ficavam com uma cabra ou duas, depois vendiam a cabra, ficavam só com coelhos e galinhas, até que chegava o dia em que tinham de acabar com tudo.

Ficavam em casa até ser possível


Se ainda podiam ficar em casa, se a mulher ainda podia fazer o comer, os filhos levavam-lhes batatas, feijão, cebolas, mercearias...; quando já nem podiam fazer isso, andavam aos meses pelas casas dos filhos. Embora isto fosse um costume, os filhos tratarem, em suas casas, dos pais velhinhos, deveria haver muitas dificuldades e muitos problemas com toda a certeza.


 No final, andavam pelos filhos


Andar pelos filhos, era a última fase da vida. Morria-se de pneumonia, de tromboses, de quedas, de coração..., muitas vezes, por falta de assistência ou por não se ir a tempo ao médico; estava-se sempre até à última a ver se passava, a ver se melhorava e quando se chegava a ir já não havia remédio.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A situação das famílias - os adultos


Enquanto eram novos, sem responsabilidades, a vida, apesar das dificuldades, ia andando. O pior era quando casavam e tinham, logo, filhos; ganhar para tudo, quase sem haver trabalho, era duro.

O trabalho das mulheres  


As mulheres tratavam dos filhos, da casa, da alimentação, da roupa..., do mais que era necessário e ainda trabalhavam nos campos, muitas, todos os dias de manhã à noite. Os homens daquele tempo não faziam nada em casa, havia tarefas muito definidas: isto é trabalho de homem, aquilo é trabalho de mulher. Não ajudavam com os filhos, mas eram quem exercia a autoridade sobre toda a família.

O trabalho dos homens


A maioria destes homens trabalhava no campo, em terrenos próprios, arrendados ou cultivados de quartas ou quintas; mas também havia alguns que trabalhavam “a jornal”, um dia de trabalho, para os lavradores ricos que precisassem de chamar para gadanhar, ceifar, malhar, cortar lenha, semear, tirar batatas...; um ou outro fazia uma "jeira", um dia de trabalho com uma junta de vacas; e ainda podia haver um ou outro pastor ou moço à soldada – eram jovens que pelo São João se “assoldadavam”, por um ano, com direito a comida, dormida e a um pequeno soldo, apesar de estarem o tempo todo ao serviço dos patrões.

domingo, 8 de dezembro de 2019

A situação das famílias - os mais novos


As famílias eram, quase todas, bastante numerosas, cinco, seis, sete, oito ou até mais filhos. Algumas não eram maiores, porque morriam muitas crianças pequenas, à nascença, nos primeiros meses ou anos de vida. 




Nascia-se em casa



Todas as crianças nasciam em casa. Algumas com a ajuda duma pessoa entendida que fazia de parteira, mas sem qualquer formação; outras com a ajuda das mães ou de irmãs mais velhas. Muitas vezes, eram partos difíceis, surgiam complicações, muitos bebés morriam por dificuldades no parto, nasciam já mortos; outras vezes, eram as mães que morriam por falta de assistência. Foi assim, até meados dos anos setenta, quando passaram a nascer na maternidade do hospital da Guarda.


Meninos ao colo



Os bebés andavam sempre ao colo, começavam a passear pelo povo, logo de pequenininhos. Quando as mães queriam fazer qualquer coisa, ficavam com as avós e com os irmãos mais velhos. Mas, quando não havia quem os guardasse, viravam um banco dos da cozinha, desses de palha, e punham lá os meninos. Quando começavam a andar, iam de um lado par ao outro, pela mão dos irmãos e dos pais.


Os mais velhos ajudavam a criar os irmãos



Nessa altura, os filhos mais velhos ajudavam a criar os mais novos. Por isso se dizia que os mais velhos eram os dos trabalhos e os mais novos os do mimo, já não tinham de se preocupar com os irmãos e tinham a atenção e o cuidado de toda a família.
Quando chegavam aos sete anos, a partir da década de cinquenta, já todos iam à escola. Mas isso não os impedia, pelo menos, no tempo bom, de ajudarem os pais com o vivo e outros trabalhos que já pudessem fazer.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

A lei e a ordem



Nesse tempo da ditadura, num país sem liberdade e sem direitos, não faltavam leis e polícias de todas as naturezas (segurança pública, segurança do Estado, guarda fiscal, guarda republicana...).

A guarda republicana  vinha a toda a hora


Aqui, era a guarda republicana que vinha. A toda a hora, apareciam, sempre de espingarda ao ombro. Quando chegavam, era um desassossego, iam fazer a ronda, rua acima e rua abaixo, falavam sempre com o Presidente da Junta e com o Regedor, as autoridades de cá, e, se calhava, com mais uma ou outra pessoa. Também, iam à escola. A professora abria-lhes a porta, tinha de ser simpática, claro, os garotinhos, alguns, ficavam com medo, eles lá diziam umas coisas e saiam.
Queriam saber tudo o que se passava nas terras: “Há cá algum passador? Há aqui alguém que esteja a planear abalar (a salto para a França)? Há cá pessoas que fazem isto ou que fazem aquilo?” Enfim, o inquérito usual do Estado Novo, no cumprimento da lei e da ordem. 
Mas, alguns exageravam, implicavam com tudo: era a licença do cão que faltava, era o carro das vacas que não tinha a chapa, era a bicicleta que não tinha a matrícula, eram as galinhas que andavam na rua (houve um tempo em que tinham de estar fechadas, senão os donos eram multados), era a lenha que ocupava a rua, era o bueiro que cheirava mal... Enfim, também, fariam alguma coisa boa, mas o que mais se recorda são as outras.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A ausência de apoio social




Nenhuma ajuda do Estado



Não havia nenhum apoio, nenhuma ajuda; o Estado não dava nada a ninguém, era mais fácil tirar do que dar. Não havia reformas, nem assistência médica, nem abonos de família..., se alguém ficasse doente e precisasse de ser internado no hospital, a família tinha de arranjar atestados, da junta de freguesia e da câmara municipal, a dizerem que era pobre, que não tinha posses para poder pagar as despesas.



Mortes por falta de assistência  



A saúde era uma miséria, muitas pessoas, nasciam e morriam sem ir ao médico; havia três médicos de clínica geral no Sabugal, para o concelho todo, mas era preciso pagar a consulta e comprar os medicamentos, tudo por conta própria. Quantas e quantas vezes, as pessoas tinham de pedir dinheiro emprestado para irem ao médico. Se havia uma doença grave numa casa, quase sempre se arruinava a vida daquela família. Muitas mortes eram por falta de assistência. Havia viúvas que ficavam com quatro, cinco ou mais filhos, nos braços, sem saberem como iriam governar a vida delas.


A primeira ajuda só nos anos setenta  




O primeiro apoio foi dado pelo governo de Marcelo Caetano, no início dos anos setenta, altura em que abriu a Casa do Povo no Sabugal, os trabalhadores rurais passaram a inscrever-se numa espécie de segurança social. Tenho ideia de que a primeira prestação que deram aos trabalhadores rurais, com mais de setenta anos, que nunca descontaram, foi de cem escudos, cinquenta cêntimos do dinheiro atual. É tal o abismo, entre esse tempo e o que vivemos, hoje, que custa a acreditar.