segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A matança - enchidos (6)

 


Era assim...Um caniço cheio de enchido (Foto: Capeia Arraiana)


Os enchidos

Só as morcelas se faziam o dia da matança, o resto do enchido fazia-se a seguir à desmancha do porco.


As chouriças

Partiam-se as febras aos bocadinhos, deitavam-se numa barranha ou num alguidar grande e temperavam-se com água, sal, pimento-de-cor e alhos picados e moídos num almofariz ou numa malga de barro; ficavam a curtir durante uns dias, dois ou três, conforme o que pessoa achasse melhor, iam-se mexendo e retificando o sal.

Antes de se encherem, quase sempre se fazia uma prova, arranjam-se as febras na sertã e comiam-se com batatas cozidas.

Punham-se no caniço, mas não se lavavam, limpavam-se só; ficavam a pingar durante dias. Tinha de se andar sempre a limpar o pingo das chouriças.


As buxeiras

Os boxes e o bandulho, depois de arranjados, eram cozidos ou entalados em água quente e, na altura devida, cortados para as buxeiras. Também, as febras que tivessem ficado ensanguentadas, quando se abriu o porco, partiam-se para as buxeiras. Punha-se tudo numa barranha e temperava-se como se fazia com as chouriças. Não eram muitas, pouco mais de uma vara ou nem isso, mas comidas cozidas com batatas eram muito saborosas.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A matança - desmanchar o porco (5)

  

Desmanchar o porco


Dois ou três dias depois da matança, desmanchava-se o porco. Começava-se por tirar as banhas e a carne da barriga, depois cortava-se a cabeça e a seguir os presuntos da frente. Tirava-se, a seguir, do “chambaril”, deitava-se numa toalha de oleado ou num toldo, bem limpos, e cortava-se o resto em peças; podiam ser duas de cada lado e o presunto de trás, se o porco fosse grande; cada pessoa fazia como achava melhor, já não era para vista, era para irem para a salgadeira.


Limpar as peças


Tiravam-se os ossos de cada uma das peças de carne e também todas as febras; punham-se num alguidar para se partirem e, depois, se fazerem as chouriças. Muitas vezes, deixava-se um presunto ou dois, mas também havia quem partisse tudo para as chouriças.

As peças de carne gorda punham-se na salgadeira e serviam para temperar a sopa, durante o ano, mas também para comer com o pão.


terça-feira, 24 de novembro de 2020

A matança - o jantar e a ceia (4)

 

As refeições

O jantar

Era um jantar farto com vários pratos, sopa que podia ser de feijão, de grão ou de outra coisa; depois batatas em cru, feitas com o osso da suã que se tinha tirado ao porco, era um prato característico; e ainda, batatas cozidas com carne nova, aquela carne da barriga, cortada em pedaços e também enchidos, ainda, da matança do ano anterior, guardados em azeite; para sobremesa, arroz doce e nalgumas matanças também havia doces (bolos) e filhoses.

A ceia

À ceia, podia ser outra ou a mesma sopa, acrescentada, batatas e couves cozidas com carne nova, enchidos e o fígado arranjado, guisado aos bocadinhos pequenos. Também, a sobremesa e os doces.

sábado, 21 de novembro de 2020

A matança - Lavar as tripas, fazer as morcelas (3)

 

Lavar as tripas

As tripas eram lavadas nos ribeiros, onde houvesse água limpa e corrente, para se poderem lavar bem lavadas. Depois de despejada a porcaria das tripas grossas e miúdas, começavam-se a lavar; era preciso muitas voltas, até ficarem boas. Às vezes, as tripas miúdas eram limadas, com a ajuda de duas palhas e muito jeitinho; ao ripar-se pela tripa abaixo, saia a parte que não era boa e a tripa ficava logo limpa.

Quando as mulheres chegavam de lavar as tripas, as que tinham ficado em casa já tinham preparada a massa das morcelas.


As morcelas

Faziam-se logo no dia da matança, com o sangue do porco. Num barranhão grande, já com o pão partido, deitava-se o sangue, mistura-se tudo, depois, deitam-se as gorduras partidas muito fininhas, o sal, os cominhos, a salsa, a cebola ralada e algum azeite, tudo misturado, com as mãos, até ficar bem desfeito. Provava-se a massa e, se estivesse boa, enchiam-se.

Quase sempre as tripas grossas eram talhadas para fazer as morcelas; coziam-se com uma agulha, de um lado, enchiam-se e atavam-se, do outro lado. Também se costumavam encher morcelas em tripas de vaca.

As morcelas grossas tinham de ser cozidas, senão estragavam-se. A panela ou o caldeiro, onde se punham a cozer, não podia ferver muito para não rebentarem. Quando já estavam cozidas, tiravam-se e punham-se no tabuleiro para arrefecerem; as outras morcelas não precisavam de cozer assim, escaldavam-se, para não ficarem a pingar, quando se pusessem no caniço.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Matança - matar o porco (2)

  Logo de manhã bem cedo, vinham os homens tomar o pequeno-almoço: café, pão com queijo, chouriça, presunto..., para, a seguir, irem matar o porco.


Era assim... (F: esep jornal digital)


Matar o porco


Tapava-se a porta da cortelha, aquela parte mais resguardada, onde o porco dormia, porque, se calhava a enfiar-se lá, era difícil tirá-lo; abria-se a porta do cortelho e tentava-se que saísse para fora; nessa altura, um homem, já com uma corda preparada, prendia-o por uma perna.

Era levado para o sítio onde ia morrer, geralmente, no curral, em cima de um banco de madeira comprido. Quando estivesse bem seguro, um dos homens metia-lhe uma faca grande, na direção do coração; se corria bem, começava logo a sangrar e não tardava a morrer. Uma senhora apanhava o sangue para dentro de um alguidar, onde já estava uma mão cheia de sal, e mexia sempre para não coalhar; este sangue era levado para casa e deitado na barranha das morcelas, misturando-se logo tudo muito bem.

Voltavam a cozer a capadura para não sair nenhum sangue e começavam a queimar-lhe o pêlo, com molhinhos de palha; depois, lavava-se todo bem lavado e com uma pedra apropriada raspava-se a pele já queimada; a seguir, raspavam-se os pêlos que ainda restassem com facas ou navalhas afiadas.

Quando estava bem limpo, fazia-se um rasgo nos tendões dos pés traseiros e colocava-se-lhe um pau forte, um “chambaril”, para suportar o peso do porco; era levado em peso e pendurado, junto a uma parede ou um taipal, para poder ser aberto.


Abrir o porco


Havia uma forma correta de abrir o porco, para que as tripas saíssem, juntamente, com as miudezas (fígado, coração, rins, fobe, «passarinha»...), sem rebentar ou estragar nada. Eram colocadas num tabuleiro e duas ou três mulheres começavam a tratar de as desenlear, de as separar umas das outras, tirando todas as gorduras.

A seguir, tirava-se uma parte daquela carne da barriga, para se cozer para o jantar da matança, juntamente com os ossos da suã; tirava-se a carne conforme as pessoas da família, se eram muitas tirava-se mais. No final, terminava-se de arranjar tudo como devia ser e deixava-se o porco “enxugar”, até ao dia da desmancha.


sábado, 14 de novembro de 2020

Produtos e tradições alimentares - a preparação da matança (1)

 

 

Era assim o porco da matança: grande e gordinho 

Quando pensamos na alimentação daqueles tempos, vemos que as pessoas comiam quase só do que dava a casa, dos produtos agrícolas, da matança do porco, do pão que coziam, do leite e da carne dos animais que criavam.

 

A matança

 

Escolhia-se um dia que calhasse bem a todos, porque a matança era um acontecimento familiar, vinham os avós, os tios, os irmãos, os sobrinhos, os filhos, os netos..., mesmo que vivessem em terras de fora; eram todos convidados para ajudar e também para conviver.

 

A preparação

Compravam-se as tripas de vaca para os enchidos – havia-as no mercado do Sabugal, estavam lá sempre aqueles judeus de Belmonte com elas – o pimento de cor, os cominhos, o sal para a salgadeira..., o que fosse preciso. Dava despesa comprar tudo, mas tinha de ser.

No dia atrás, lavam-se as tripas, punham-se a jeito todas as vasilhas necessárias (alguidares, caldeiros, baldes, panelas…), partia-se o pão das morcelas, ralava-se a cebola, picava-se a salsa e descascavam-se as batatas. Tudo o que se podia adiantar, adiantava-se, porque o dia da matança era muito trabalhoso.

 


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Emigração - os que morreram, as pensões

 

Os que morreram

 

Em mais de sessenta anos de emigração, muitas foram as mortes, dos que ficaram cá e também dos que morreram lá. A primeira geração de emigrantes deixou cá os pais, alguns já de idade, muitos tiveram de vir, anos depois, aos seus enterros; era uma situação difícil, às vezes, estava-se à espera que os filhos chegassem para enterrar a pessoa.

Houve, também, pessoas que morreram na França e que as famílias trouxeram para serem sepultadas cá, mais no início; passados os anos, e com a vida cada vez mais estabilizada, começaram a ser enterrados quase todos lá. Ainda assim, há sempre alguns que vêm.

 

As pensões

 

Outro aspeto de grande importância, no que se refere à emigração, é o das pensões pagas pela segurança social francesa a muita gente de cá, desde há muito tempo. Não é possível comparar as pensões de lá com as de cá e, muito menos, as de há trinta ou quarenta anos atrás. Se não fossem estas pensões, a vida de muita gente teria ficado numa situação bem mais difícil.

 Os que morreram Em mais de sessenta anos de emigração, muitas foram as mortes, dos que ficaram cá e também dos que morreram lá. A primeira geração de emigrantes deixou cá os pais, alguns já de idade, muitos tiveram de vir, anos depois, aos seus enterros; era uma situação difícil, às vezes, estava-se à espera que os filhos chegassem para enterrar a pessoa. Houve, também, pessoas que morreram na França e que as famílias trouxeram para serem sepultadas cá, mais no início; passados os anos, e com a vida cada vez mais estabilizada, começaram a ser enterrados quase todos lá. Ainda assim, há sempre alguns que vêm. As pensões Outro aspeto de grande importância, no que se refere à emigração, é o das pensões pagas pela segurança social francesa a muita gente de cá, desde há muito tempo. Não é possível comparar as pensões de lá com as de cá e, muito menos, as de há trinta ou quarenta anos atrás. Se não fossem estas pensões, a vida de muita gente teria ficado numa situação bem mais difícil.

sábado, 7 de novembro de 2020

A emigração - o mês de Agosto

 

A igreja cheia

Aos domingos, a igreja enchia-se de gente, antes, muito mais do que agora. Todos os emigrantes iam à missa, adultos, jovens e crianças, de cá, do Espinhal e da Quinta do Clérigo. Conversavam umas com as outras, à saída, pelo adro, cá fora, na estrada, no fundo do povo... Se fosse ano da festa de Santo António, então, ainda, mais gente havia e maior animação, com os preparativos e os dias da festa.

 

Os mercados

Já se sabia que, mal principiava agosto, os preços, nas lojas e nos mercados, aumentavam, sem outra razão que não fosse alguns comerciantes quererem ganhar, num mês, o que ganhavam, durante o resto do ano todo, em que havia muito pouca gente.

Apesar deste aumento desmesurado dos preços, os mercados enchiam-se, porque, comparando os preços de lá com os que de cá, era muito mais barato comprar aqui. Estávamos muito longe dos preços marcados e do euro que agora não permite fazer nada disso.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Emigração - o mês de agosto

 

Nalguns anos, em agosto, havia a festa de Santo António  

 

O mês de agosto

 

Havia sempre um domingo, no final de julho ou inícios de agosto, em que todos chegavam. Primeiro, não vinham todos os anos e utilizavam, sobretudo, o comboio. Anos mais tarde, começaram a vir de carro, no início, carros em segunda mão, que foram melhorando, até aos bons carros que hoje têm.

 

O encontro com familiares e amigos

“Ver as pessoas”, há um genuíno sentimento de encontro. Encontram-se com as pessoas de cá, mas, também, uns com os outros; lá, é raro verem-se, fora das suas famílias, mesmo que vivam na mesma vila ou cidade. Cada um tem a sua vida.

Cá, não, estão de férias e têm tempo. As ruas estão cheias de gente; também, nos balcões, nas varandas, no largo da fonte velha, nos bancos da capela..., as pessoas se juntam para conversar e conviver; a terra ganha uma animação e uma vida que não é comparável com o resto do ano.

Os jovens também aproveitam bem as férias: conversam, dançam, ouvem música, fazem borgas, namoram, saem...; agora, pode ter mudado o modo como o fazem, mas o espírito de diversão e de encontro é o mesmo.