sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A matança - os enchidos (7)

  

Os chouriços dos coiros

Dos coiros que ficavam, quando se desmanchava e se tiravam as febras, faziam-se os chouriços dos coiros; eram partidos aos bocadinhos pequenos e temperados como as chouriças, mas levavam mais tempo a curtir; quando estivessem bons, eram enchidos nas tripas mais grossas do porco, o “palaio” e a bexiga.


As farinheiras

As farinheiras faziam-se na água, onde os ossos tinham sido cozidos. Nessa água, punha-se toda a gordura que se tinha tirado, quando se partiram as febras; partiam-se bem partidas, o mais fino que se pudesse, deitava-se pão, pimento, podia ser também farinha e massa de botelha (nem toda a gente fazia da mesma maneira), amassava-se tudo bem amassado, via-se o sal e enchiam-se, de seguida.

Nesse tempo, muitas pessoas faziam várias varas de farinheiras, era um enchido barato, bastava ter gordura e pão, para se acrescentar a massa e fazer mais uma vara.


As varas do enchido

Todo o enchido era colocado em varas (paus de pinho, de mais de dois metros) que se colocavam no caniço. Normalmente, levavam duas dúzias de chouriças, colocadas, mais ou menos, de dez em dez centímetros.

 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A matança - enchidos (6)

 


Era assim...Um caniço cheio de enchido (Foto: Capeia Arraiana)


Os enchidos

Só as morcelas se faziam o dia da matança, o resto do enchido fazia-se a seguir à desmancha do porco.


As chouriças

Partiam-se as febras aos bocadinhos, deitavam-se numa barranha ou num alguidar grande e temperavam-se com água, sal, pimento-de-cor e alhos picados e moídos num almofariz ou numa malga de barro; ficavam a curtir durante uns dias, dois ou três, conforme o que pessoa achasse melhor, iam-se mexendo e retificando o sal.

Antes de se encherem, quase sempre se fazia uma prova, arranjam-se as febras na sertã e comiam-se com batatas cozidas.

Punham-se no caniço, mas não se lavavam, limpavam-se só; ficavam a pingar durante dias. Tinha de se andar sempre a limpar o pingo das chouriças.


As buxeiras

Os boxes e o bandulho, depois de arranjados, eram cozidos ou entalados em água quente e, na altura devida, cortados para as buxeiras. Também, as febras que tivessem ficado ensanguentadas, quando se abriu o porco, partiam-se para as buxeiras. Punha-se tudo numa barranha e temperava-se como se fazia com as chouriças. Não eram muitas, pouco mais de uma vara ou nem isso, mas comidas cozidas com batatas eram muito saborosas.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A matança - desmanchar o porco (5)

  

Desmanchar o porco


Dois ou três dias depois da matança, desmanchava-se o porco. Começava-se por tirar as banhas e a carne da barriga, depois cortava-se a cabeça e a seguir os presuntos da frente. Tirava-se, a seguir, do “chambaril”, deitava-se numa toalha de oleado ou num toldo, bem limpos, e cortava-se o resto em peças; podiam ser duas de cada lado e o presunto de trás, se o porco fosse grande; cada pessoa fazia como achava melhor, já não era para vista, era para irem para a salgadeira.


Limpar as peças


Tiravam-se os ossos de cada uma das peças de carne e também todas as febras; punham-se num alguidar para se partirem e, depois, se fazerem as chouriças. Muitas vezes, deixava-se um presunto ou dois, mas também havia quem partisse tudo para as chouriças.

As peças de carne gorda punham-se na salgadeira e serviam para temperar a sopa, durante o ano, mas também para comer com o pão.


terça-feira, 24 de novembro de 2020

A matança - o jantar e a ceia (4)

 

As refeições

O jantar

Era um jantar farto com vários pratos, sopa que podia ser de feijão, de grão ou de outra coisa; depois batatas em cru, feitas com o osso da suã que se tinha tirado ao porco, era um prato característico; e ainda, batatas cozidas com carne nova, aquela carne da barriga, cortada em pedaços e também enchidos, ainda, da matança do ano anterior, guardados em azeite; para sobremesa, arroz doce e nalgumas matanças também havia doces (bolos) e filhoses.

A ceia

À ceia, podia ser outra ou a mesma sopa, acrescentada, batatas e couves cozidas com carne nova, enchidos e o fígado arranjado, guisado aos bocadinhos pequenos. Também, a sobremesa e os doces.

sábado, 21 de novembro de 2020

A matança - Lavar as tripas, fazer as morcelas (3)

 

Lavar as tripas

As tripas eram lavadas nos ribeiros, onde houvesse água limpa e corrente, para se poderem lavar bem lavadas. Depois de despejada a porcaria das tripas grossas e miúdas, começavam-se a lavar; era preciso muitas voltas, até ficarem boas. Às vezes, as tripas miúdas eram limadas, com a ajuda de duas palhas e muito jeitinho; ao ripar-se pela tripa abaixo, saia a parte que não era boa e a tripa ficava logo limpa.

Quando as mulheres chegavam de lavar as tripas, as que tinham ficado em casa já tinham preparada a massa das morcelas.


As morcelas

Faziam-se logo no dia da matança, com o sangue do porco. Num barranhão grande, já com o pão partido, deitava-se o sangue, mistura-se tudo, depois, deitam-se as gorduras partidas muito fininhas, o sal, os cominhos, a salsa, a cebola ralada e algum azeite, tudo misturado, com as mãos, até ficar bem desfeito. Provava-se a massa e, se estivesse boa, enchiam-se.

Quase sempre as tripas grossas eram talhadas para fazer as morcelas; coziam-se com uma agulha, de um lado, enchiam-se e atavam-se, do outro lado. Também se costumavam encher morcelas em tripas de vaca.

As morcelas grossas tinham de ser cozidas, senão estragavam-se. A panela ou o caldeiro, onde se punham a cozer, não podia ferver muito para não rebentarem. Quando já estavam cozidas, tiravam-se e punham-se no tabuleiro para arrefecerem; as outras morcelas não precisavam de cozer assim, escaldavam-se, para não ficarem a pingar, quando se pusessem no caniço.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Matança - matar o porco (2)

  Logo de manhã bem cedo, vinham os homens tomar o pequeno-almoço: café, pão com queijo, chouriça, presunto..., para, a seguir, irem matar o porco.


Era assim... (F: esep jornal digital)


Matar o porco


Tapava-se a porta da cortelha, aquela parte mais resguardada, onde o porco dormia, porque, se calhava a enfiar-se lá, era difícil tirá-lo; abria-se a porta do cortelho e tentava-se que saísse para fora; nessa altura, um homem, já com uma corda preparada, prendia-o por uma perna.

Era levado para o sítio onde ia morrer, geralmente, no curral, em cima de um banco de madeira comprido. Quando estivesse bem seguro, um dos homens metia-lhe uma faca grande, na direção do coração; se corria bem, começava logo a sangrar e não tardava a morrer. Uma senhora apanhava o sangue para dentro de um alguidar, onde já estava uma mão cheia de sal, e mexia sempre para não coalhar; este sangue era levado para casa e deitado na barranha das morcelas, misturando-se logo tudo muito bem.

Voltavam a cozer a capadura para não sair nenhum sangue e começavam a queimar-lhe o pêlo, com molhinhos de palha; depois, lavava-se todo bem lavado e com uma pedra apropriada raspava-se a pele já queimada; a seguir, raspavam-se os pêlos que ainda restassem com facas ou navalhas afiadas.

Quando estava bem limpo, fazia-se um rasgo nos tendões dos pés traseiros e colocava-se-lhe um pau forte, um “chambaril”, para suportar o peso do porco; era levado em peso e pendurado, junto a uma parede ou um taipal, para poder ser aberto.


Abrir o porco


Havia uma forma correta de abrir o porco, para que as tripas saíssem, juntamente, com as miudezas (fígado, coração, rins, fobe, «passarinha»...), sem rebentar ou estragar nada. Eram colocadas num tabuleiro e duas ou três mulheres começavam a tratar de as desenlear, de as separar umas das outras, tirando todas as gorduras.

A seguir, tirava-se uma parte daquela carne da barriga, para se cozer para o jantar da matança, juntamente com os ossos da suã; tirava-se a carne conforme as pessoas da família, se eram muitas tirava-se mais. No final, terminava-se de arranjar tudo como devia ser e deixava-se o porco “enxugar”, até ao dia da desmancha.


sábado, 14 de novembro de 2020

Produtos e tradições alimentares - a preparação da matança (1)

 

 

Era assim o porco da matança: grande e gordinho 

Quando pensamos na alimentação daqueles tempos, vemos que as pessoas comiam quase só do que dava a casa, dos produtos agrícolas, da matança do porco, do pão que coziam, do leite e da carne dos animais que criavam.

 

A matança

 

Escolhia-se um dia que calhasse bem a todos, porque a matança era um acontecimento familiar, vinham os avós, os tios, os irmãos, os sobrinhos, os filhos, os netos..., mesmo que vivessem em terras de fora; eram todos convidados para ajudar e também para conviver.

 

A preparação

Compravam-se as tripas de vaca para os enchidos – havia-as no mercado do Sabugal, estavam lá sempre aqueles judeus de Belmonte com elas – o pimento de cor, os cominhos, o sal para a salgadeira..., o que fosse preciso. Dava despesa comprar tudo, mas tinha de ser.

No dia atrás, lavam-se as tripas, punham-se a jeito todas as vasilhas necessárias (alguidares, caldeiros, baldes, panelas…), partia-se o pão das morcelas, ralava-se a cebola, picava-se a salsa e descascavam-se as batatas. Tudo o que se podia adiantar, adiantava-se, porque o dia da matança era muito trabalhoso.