segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A emigração nos anos sesssenta (3)

  

As famílias que se reuniam

 

Quando a situação o permitiu, quando arranjaram um trabalho e um alojamento, ainda que, muitas vezes, sem grandes condições, os homens começaram a “chamar” as mulheres e muitas famílias começaram a reunir-se.

Nesta segunda leva, abalou tanta gente que, em um ou dois anos, na segunda metade da década de sessenta, a população da aldeia ficou reduzida a um terço ou ainda menos.

Cada dia, era mais uma carteira vazia e mais uma casa fechada. Muitos meninos deixaram a escola de um dia para o outro. Saíram a meio do ano, quando calhava, dependia dos “papéis” que tinham de ter para ir.

A toda a hora se ouvia: “Abalaram para a França. Já, abalaram”. Havia um sentimento de perda, um sentimento de que nada voltaria a ser como dantes. E assim aconteceu.

 

Os meninos que ficavam com os avós 

 

Mas, nem todas as crianças partiram com as mães para junto dos pais; algumas, em idade escolar ou mais pequenas, ficaram com os avós. Haveria diferentes razões, uns queriam que os filhos continuassem a estudar cá e outros não teriam ainda as condições para os poder levar, logo nessa altura. Certo é que, passados uns anos, quase todas estas crianças se juntaram aos pais.

As mais novas continuaram a escola francesa e começaram a trabalhar logo que a lei o permitia.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

A emigração - a carta de chamada (2)

Image result for imagens emigração clandestina anos 60
Gare de Austerliz, em Paris, onde chegavam os emigrantes 

 

A emigração estava fechada, era proibida pelo estado português, mas, a partir de determinada altura, através de cartas de chamada, um documento vindo de França, atestando que aquela pessoa tinha trabalho assegurado, em determinado patrão ou firma, e tinha onde ficar alojado, conseguiam-se arranjar papéis, junto das autoridades portuguesas. Mas, antes, tinham de passar por um exame médico – só aos que estivessem aptos para trabalhar davam o passaporte e a documentação, para poderem emigrar dentro da lei.

 

As mulheres que ficavam

 

Muitas mulheres, jovens mães, ficaram sozinhas, a criar os filhos, a tratar da casa e ainda a terem de trabalhar nos campos, com uma dureza a que não estavam habituadas. Mesmo os trabalhos mais pesados, antes destinados aos homens, eram agora realizados por estas mulheres – lavravam, carregavam carros de lenha, faziam cavacos, cortavam feno… – foi dura, por esses anos, a vida destas mulheres.

Muitas delas, passados pouco tempo, puderam reunir-se com os maridos; outras, poucas, nunca saíram de cá e os maridos foram os primeiros a regressar.


[1]Eram desertores por terem deixado de cumprir o que as autoridades portuguesas entendiam ser um dever: servir a pátria, no serviço militar obrigatório.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A emigração - a ida a salto

 Finais dos anos cinquenta e princípios dos anos sessenta, foi a altura da maior emigração para a França. Aqui no povo, mas igualmente no concelho, no distrito e no país. Quem pôde sair, para trabalhar e melhorar a sua vida, saiu.

 

Ida para a França

 

Naquela altura, a França era uma realidade diária, nesta terra. Estava nas conversas e nas vidas de todos os habitantes. Não havia família que não tivesse alguém naquele país. Em muitos casos, todos estavam lá, tinham ficado, apenas, os avós já de idade.

A viagem "a salto": da sobrevivência ao negócio da emigração nos anos 60 -  BOM DIA
Por montes e vales, a caminho da França

 

 A salto

Nos primeiros tempos, muitos emigrantes iam “a salto”, clandestinos, sem quaisquer papéis. Eram, sobretudo, jovens casados, pais de família, que queriam ganhar o sustento dos filhos, mas eram também rapazes solteiros, alguns muito jovens, que abalavam, antes dos dezoito anos, para fugirem à tropa.

Saíam de noite, levados por passadores, a quem pagavam oito ou nove contos de réis. É bom de ver que nem todos tinham aquele dinheiro, pediam-no emprestado; quando chegavam à França, já estavam endividados até ao pescoço. Eram explorados, por muita gente, havia enganos, falsas promessas..., cá e lá.

Um passador português levava-os para Espanha e, aí, podiam passar por vários, até chegarem à fronteira de Hendaya, já em França, onde apanhavam o comboio até Austerliz, em Paris, estação de destino de quase todos os emigrantes que daqui foram.

Passar a Espanha, era o mais difícil, andavam dias e dias, até semanas, a pé, por veredas, montes e caminhos ruins, atravessando ribeiros, para fugirem à guarda civil espanhola; passavam o dia em casebres e de noite, quando havia menos policiamento, caminhavam ou eram levados de carro. Se fossem apanhados pela guarda civil, eram trazidos até à fronteira e entregues às autoridades portuguesas. A Pide, a polícia política, interrogava-os, prendia-os, ameaçava-os, mas acabava por libertá-los.

Muitos homens de cá tentaram atravessar a fronteira, a salto, por mais de uma vez, até conseguirem. Outros não conseguiram e tiveram de aguardar por cartas de chamada – a maneira legal de emigrar.

 

sábado, 5 de setembro de 2020

Coisas dos mercados e feiras do Sabugal (2)

 

O leilão

A determinada hora, era o leilão. Em cima de uma carrinha, o leiloeiro, com um pequeno altifalante, começava por arranjar um lote: um jogo de cama e uma colcha, por exemplo, dava-lhe um preço, mas, depois, ia acrescentando mais uma coisa e mais outra e outra ainda, tantas que, a determinada altura, a pessoa que estava a segurar estas mercadorias já não se via debaixo delas. O leiloeiro tentava, por diversas vezes, acabar o leilão: “é para quem”? A ver se além dizia: “é para mim”. Mas, as pessoas que conheciam o processo esperavam, esperavam, mesmo que quisessem comprar, a ver se ele acrescentava mais alguma coisa.

 

O romance de cordel

Muitas vezes, havia nos mercados e nas feiras uma espécie de teatro musical, com uma pessoa a tocar e outra a cantar. Era uma história contada em verso, acontecida num determinado local, acerca de uma grande desgraça (mortes, desonras, traições...), na família, entre amigos, vizinhos, namorados...

Era um drama; , as pessoas que se juntavam a ouvir quase choravam, muitas acabavam por comprar a história que se vendia numa folha de papel.

Os comes e bebes

Os mercados duravam o dia todo, tinha de se levar uma merenda ou comer alguma coisa, nas tabernas ou nas barracas de comes e bebes, que por lá havia. O mais habitual era uma salada de atum ou de bacalhau, com pão de quartos, vinho simples ou traçado e sumos. Também havia bolos de bacalhau, carapau frito, iscas e outras coisas mais. Ainda há comida nas feiras, grelhados, fritos..., mas, como em tudo, houve, ao longo do tempo, mudanças.

O alboroque

Como eu o recordo, o alboroque era uma forma de celebrar um negócio dalgum valor que tinha corrido bem; acabava-se de comprar uma vaca, por exemplo, ia-se beber o alboroque, o comprador, o vendedor e os amigos que tinham ajudado a levar o negócio a bom porto.

 

 

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Coisas dos mercados e feiras (1)

 Havia coisas típicas dos mercados e das feiras que foram desaparecendo com o tempo, mas que muitos ainda recordam, certamente.

O regateio

Nos mercados e feiras tinha-se de saber regatear, para se poder comprar por um preço mais ou menos de acordo com o valor do produto que fosse. Pediam sempre muito mais, às vezes, o dobro do valor. Fosse o que fosse que se comprasse, era preciso oferecer menos, muito menos. A única maneira de não comprar mal, era perguntar o preço da mesma coisa, em várias tendas, não comprar na primeira e começar por oferecer uma quantia baixa, para dar margem para o regateio. Os vendedores, sempre que podiam, sempre que tinham margem de lucro, entregavam as coisas; mas, quando podiam vender, deixavam as pessoas ir embora. E o freguês é que decidia se queria voltar lá ou não.

O reclame

Estava sempre o homem ou a mulher do reclame a anunciar o milagre da pomada da “banha da cobra” que curava tudo, que se podia pôr em todo o lado, só em cima de feridas é que não – muitas pessoas acreditavam nesta pomada do reclame; do chá africano que tratava todas as doenças; do remédio que aliviava os calos...e muitas coisas mais eram anunciadas.

sábado, 29 de agosto de 2020

Mercados e feiras do Sabugal

Regresso do mercado ao centro do Sabugal
Tendas do mercado do Sabugal

Os mercados e as feiras do Sabugal

Há, no Sabugal, dois mercados mensais, na 1ª quinta-feira e na 3ª terça-feira de cada mês, e duas feiras anuais, a de São Pedro, dia 29 de junho, e a das melancias, na 1ª quinta-feira de setembro. 
As feiras eram muito fortes, havia muitas tendas, muita gente a vender e a comprar. Era um acontecimento para as aldeias, às vezes, dizia-se aos miúdos: “se te portares bem, se fizeres isto ou aquilo, levo-te à feira”. Nos dias de feira, até, podia haver baile, era como se fosse uma festa.
Primeiro, ia-se ao mercado de burra, aparelhava-se com a albarda e os alforges, onde se levava o que era preciso. Em cima, podia ir uma pessoa a cavalo e a segurar um “talego” ou uma cesta, com o que fosse necessário levar, dependia da época do ano e do que se tinha para vender. Num tempo em que quase não havia dinheiro, tinha de se levar o que vender – podiam ser queijos, ovos, sementes, galinhas, frangos..., o que houvesse em casa – para se poder comprar o que fizesse mais falta, com esse dinheiro que se fazia.
Tinha de se ir cedo e contar com as duas horas do caminho, para não se chegar tarde; quando isso acontecia, já não se vendiam, nem se compravam, as coisas da mesma maneira, embora os mercados fossem o dia todo. Quando se chegava, descarregava-se a burra, onde se queriam deixar as coisas e ia-se prendê-la a um certo lugar – quase todas as pessoas tinham, mais ou menos, um curral ou um sítio onde pôr a burra em segurança.
Os mercados já estiveram em vários locais, primeiro, eram dentro da vila, aí pela fonte, rua das Tílias, espaço frente à câmara e ao chafariz e noutros sítios; depois, foram mudados para a rua e o espaço perto cemitério e agora já são noutro lugar. Havia o mercado das sementes, o mercado ovos, coelhos e galinhas; o mercado do gado; e o mercado das tendas com loiça, ferragens, lata e latão, alumínio, ouro (havia muitos ourives nos mercados), roupa, calçado...

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Lojas de venda - as medidas

 

 

Uma balança de pratos iguais  

As medidas aferidas

Todas as medidas eram aferidas; vinha alguém, da câmara municipal, ver se estavam certas: da parte da taberna, aferiam o litro, o meio litro, o quartilho e meio quartilho; da parte da mercearia, o quilo, o meio quilo, os duzentos, os cem e os cinquenta gramas.

Os cartuchos

Vinham já feitos, dobrados uns em cima dos outros. Eram de papel manteiga grosso, podiam ser acinzentados ou avermelhados, havia-os de um quilo, de meio quilo e, se calhar, até, maiores e mais pequenos. Quando se queria abrir um, para pôr dentro a massa, o arroz, o açúcar..., metia-se a mão até ao fundo e o cartuxo tomava logo a forma de um saco. Para fechar por cima, juntavam-se as extremidades, dava-se uma dobra ou duas e dobrava-se, ainda, um bocadinho das pontas e virava-se; ficava um saco quase perfeito e bem fechado.[1]

As medidas rasas

Para medir cereais, pão, milho, feijão..., havia também medidas certas, feitas de madeira: o alqueire (16 litros), o meio (8 litros), a quarta (4 litros) e o litro; enchiam-se e passava-se por cima um “rasadoiro”, uma espécie de régua de madeira, para se tirar o que estivesse a mais.

Estas medidas não existiam só nas vendas, todas as pessoas as tinham em casa, estavam sempre a ser precisas para se medir uma coisa ou outra. 

 

[1]Agora, por preocupações ambientais, voltaram estes sacos, é frequente vê-los, embora o papel seja diferente.