sábado, 7 de novembro de 2020

A emigração - o mês de Agosto

 

A igreja cheia

Aos domingos, a igreja enchia-se de gente, antes, muito mais do que agora. Todos os emigrantes iam à missa, adultos, jovens e crianças, de cá, do Espinhal e da Quinta do Clérigo. Conversavam umas com as outras, à saída, pelo adro, cá fora, na estrada, no fundo do povo... Se fosse ano da festa de Santo António, então, ainda, mais gente havia e maior animação, com os preparativos e os dias da festa.

 

Os mercados

Já se sabia que, mal principiava agosto, os preços, nas lojas e nos mercados, aumentavam, sem outra razão que não fosse alguns comerciantes quererem ganhar, num mês, o que ganhavam, durante o resto do ano todo, em que havia muito pouca gente.

Apesar deste aumento desmesurado dos preços, os mercados enchiam-se, porque, comparando os preços de lá com os que de cá, era muito mais barato comprar aqui. Estávamos muito longe dos preços marcados e do euro que agora não permite fazer nada disso.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Emigração - o mês de agosto

 

Nalguns anos, em agosto, havia a festa de Santo António  

 

O mês de agosto

 

Havia sempre um domingo, no final de julho ou inícios de agosto, em que todos chegavam. Primeiro, não vinham todos os anos e utilizavam, sobretudo, o comboio. Anos mais tarde, começaram a vir de carro, no início, carros em segunda mão, que foram melhorando, até aos bons carros que hoje têm.

 

O encontro com familiares e amigos

“Ver as pessoas”, há um genuíno sentimento de encontro. Encontram-se com as pessoas de cá, mas, também, uns com os outros; lá, é raro verem-se, fora das suas famílias, mesmo que vivam na mesma vila ou cidade. Cada um tem a sua vida.

Cá, não, estão de férias e têm tempo. As ruas estão cheias de gente; também, nos balcões, nas varandas, no largo da fonte velha, nos bancos da capela..., as pessoas se juntam para conversar e conviver; a terra ganha uma animação e uma vida que não é comparável com o resto do ano.

Os jovens também aproveitam bem as férias: conversam, dançam, ouvem música, fazem borgas, namoram, saem...; agora, pode ter mudado o modo como o fazem, mas o espírito de diversão e de encontro é o mesmo.

 

sábado, 31 de outubro de 2020

Emigração - as casas novas

 

 

As casas

 

Talvez se pudesse contar a história da emigração, aqui no povo, a partir de uma casa. Os emigrantes, primeiro reconstruíram as pequenas habitações que deixaram ou que adquiriram, no início dos anos setenta. Mais tarde, já nos anos oitenta, quase todos, fizeram casas novas, de raiz, moradias grandes, com todo o conforto.

Se, na altura da reconstrução das primeiras casas, ainda, trabalharam nelas, passavam o mês das férias a trabalhar, depois, ganharam outro poder económico, devido em grande parte ao câmbio e também aos altos juros pagos a quem podia pôr dinheiro a render, nos bancos portugueses.

Ajustaram-nas a empreiteiros da construção civil. Foi um tempo de grande desenvolvimento, os emigrantes ganharam dinheiro, investiram-no, criaram riqueza na terra e deram trabalho e dinheiro a ganhar aos trabalhadores das obras.

 

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Emigração - os meninos que ficavam com os avós, as cartas do correio

 

 

Os meninos que ficavam com os avós 

 

Mas, nem todas as crianças partiram com as mães para junto dos pais; algumas, em idade escolar ou mais pequenas, ficaram com os avós. Haveria diferentes razões, uns queriam que os filhos continuassem a estudar cá e outros não teriam ainda as condições para os poder levar, logo nessa altura. Certo é que, passados uns anos, quase todas estas crianças se juntaram aos pais.

As mais novas continuaram a escola francesa e começaram a trabalhar logo que a lei o permitia.

 

Uma caixa de correio antiga 


As cartas do correio

 

O correio era muito importante, nesse tempo. O contacto, entre os que emigraram e os que ficaram, era feito por carta, só, muito raramente, no caso de haver alguma aflição, se telefonava ou enviava um telegrama.

Mas, como uma parte das pessoas, sobretudo, as de mais idade, não sabiam ler nem escrever, pois, muitas delas, nunca tinham ido à escola, sempre que recebiam uma carta tinham de pedir a alguém para a ler e depois para escrever outra de volta. Pediam a alguém próximo, a um familiar ou a um vizinho, ninguém dizia que não, qualquer pessoa lia e escrevia uma carta a alguém que precisasse.

Havia pessoas que tinham todos os filhos na França, quatro, cinco e, até, mais, quando pediam a alguém para lhes escrever uma carta, quase sempre aproveitavam e escreviam a todos para não andarem sempre a incomodar.

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A emigração nos anos sesssenta (3)

  

As famílias que se reuniam

 

Quando a situação o permitiu, quando arranjaram um trabalho e um alojamento, ainda que, muitas vezes, sem grandes condições, os homens começaram a “chamar” as mulheres e muitas famílias começaram a reunir-se.

Nesta segunda leva, abalou tanta gente que, em um ou dois anos, na segunda metade da década de sessenta, a população da aldeia ficou reduzida a um terço ou ainda menos.

Cada dia, era mais uma carteira vazia e mais uma casa fechada. Muitos meninos deixaram a escola de um dia para o outro. Saíram a meio do ano, quando calhava, dependia dos “papéis” que tinham de ter para ir.

A toda a hora se ouvia: “Abalaram para a França. Já, abalaram”. Havia um sentimento de perda, um sentimento de que nada voltaria a ser como dantes. E assim aconteceu.

 

Os meninos que ficavam com os avós 

 

Mas, nem todas as crianças partiram com as mães para junto dos pais; algumas, em idade escolar ou mais pequenas, ficaram com os avós. Haveria diferentes razões, uns queriam que os filhos continuassem a estudar cá e outros não teriam ainda as condições para os poder levar, logo nessa altura. Certo é que, passados uns anos, quase todas estas crianças se juntaram aos pais.

As mais novas continuaram a escola francesa e começaram a trabalhar logo que a lei o permitia.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

A emigração - a carta de chamada (2)

Image result for imagens emigração clandestina anos 60
Gare de Austerliz, em Paris, onde chegavam os emigrantes 

 

A emigração estava fechada, era proibida pelo estado português, mas, a partir de determinada altura, através de cartas de chamada, um documento vindo de França, atestando que aquela pessoa tinha trabalho assegurado, em determinado patrão ou firma, e tinha onde ficar alojado, conseguiam-se arranjar papéis, junto das autoridades portuguesas. Mas, antes, tinham de passar por um exame médico – só aos que estivessem aptos para trabalhar davam o passaporte e a documentação, para poderem emigrar dentro da lei.

 

As mulheres que ficavam

 

Muitas mulheres, jovens mães, ficaram sozinhas, a criar os filhos, a tratar da casa e ainda a terem de trabalhar nos campos, com uma dureza a que não estavam habituadas. Mesmo os trabalhos mais pesados, antes destinados aos homens, eram agora realizados por estas mulheres – lavravam, carregavam carros de lenha, faziam cavacos, cortavam feno… – foi dura, por esses anos, a vida destas mulheres.

Muitas delas, passados pouco tempo, puderam reunir-se com os maridos; outras, poucas, nunca saíram de cá e os maridos foram os primeiros a regressar.


[1]Eram desertores por terem deixado de cumprir o que as autoridades portuguesas entendiam ser um dever: servir a pátria, no serviço militar obrigatório.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A emigração - a ida a salto

 Finais dos anos cinquenta e princípios dos anos sessenta, foi a altura da maior emigração para a França. Aqui no povo, mas igualmente no concelho, no distrito e no país. Quem pôde sair, para trabalhar e melhorar a sua vida, saiu.

 

Ida para a França

 

Naquela altura, a França era uma realidade diária, nesta terra. Estava nas conversas e nas vidas de todos os habitantes. Não havia família que não tivesse alguém naquele país. Em muitos casos, todos estavam lá, tinham ficado, apenas, os avós já de idade.

A viagem "a salto": da sobrevivência ao negócio da emigração nos anos 60 -  BOM DIA
Por montes e vales, a caminho da França

 

 A salto

Nos primeiros tempos, muitos emigrantes iam “a salto”, clandestinos, sem quaisquer papéis. Eram, sobretudo, jovens casados, pais de família, que queriam ganhar o sustento dos filhos, mas eram também rapazes solteiros, alguns muito jovens, que abalavam, antes dos dezoito anos, para fugirem à tropa.

Saíam de noite, levados por passadores, a quem pagavam oito ou nove contos de réis. É bom de ver que nem todos tinham aquele dinheiro, pediam-no emprestado; quando chegavam à França, já estavam endividados até ao pescoço. Eram explorados, por muita gente, havia enganos, falsas promessas..., cá e lá.

Um passador português levava-os para Espanha e, aí, podiam passar por vários, até chegarem à fronteira de Hendaya, já em França, onde apanhavam o comboio até Austerliz, em Paris, estação de destino de quase todos os emigrantes que daqui foram.

Passar a Espanha, era o mais difícil, andavam dias e dias, até semanas, a pé, por veredas, montes e caminhos ruins, atravessando ribeiros, para fugirem à guarda civil espanhola; passavam o dia em casebres e de noite, quando havia menos policiamento, caminhavam ou eram levados de carro. Se fossem apanhados pela guarda civil, eram trazidos até à fronteira e entregues às autoridades portuguesas. A Pide, a polícia política, interrogava-os, prendia-os, ameaçava-os, mas acabava por libertá-los.

Muitos homens de cá tentaram atravessar a fronteira, a salto, por mais de uma vez, até conseguirem. Outros não conseguiram e tiveram de aguardar por cartas de chamada – a maneira legal de emigrar.