sábado, 13 de junho de 2020

As ceifas - os ranchos

A ceifa

As ceifas

Quando o pão estava maduro, com a palha bem seca, tinha de se ceifar. Os “ceifadores” iam deixando paveias de pão que depois outros homens atavam em molhos. Ao pão que se ceifava de uma vez, o que cabia numa mão, chamava-se gavela; três gavelas era uma paveia e três paveias era um molho; mas, às vezes, as paveias eram tão grandes que duas davam para um molho. O molho atava-se com as espigas todas para o mesmo lado.
Quando se terminava de ceifar um chão, acartavam-se os molhos para um rolheiro; o rolheiro era um entrançado de molhos, sempre com a espiga a descoberto, de maneira a que a chuva não entrasse para dentro. Os rolheiros ficavam nos campos, até à altura do pão ir para a laje.

Os ranchos

- Fale-me dos ranchos que andavam a ceifar pão.
- Eram ranchos de sete, oito, pessoas ou até mais, cada rancho tinha um “manajeiro”, um rapaz ou um homem, que era quem mandava, toda a gente lhe obedecia. Era quem resolvia as coisas, até as discussões, quando alguém começava a picar ou a discutir com outra pessoa, separava-as punha uma num sítio e a outra noutro, mesmo a dormir, não ficavam juntas para evitar as discussões.
Íamos até para terras de fora, para o Carvalhal, Quinta do Clérigo..., ganhava-se ao dia, às vezes, ajustava-se, mas no geral era ao dia. Ao nascer do sol, a essa hora, já se estava à porta dos patrões, para comer o almoço.
- O que é que comiam?
- Almoçava-se sopa, pão e vinho. Levava-se pão e queijo para o “cravelo”, ao meio da manhã, pelas nove, dez, horas; muitas vezes, já se levava, à cabeça, o “barranhão” das papas de milho, para se comerem ao jantar, punha-se lá a uma sombra e depois os patrões iam, à hora do jantar, com o resto da comida.
- E para beber?
- Havia sempre cântaros ou bilhas de barro para a água, o calor era muito, tinha-se de beber muita água. Ia-se a um poço ou a uma presa buscar água, mas, nem sempre havia, ou a gente não conhecia bem aqueles sítios e não se sabia aonde ir. Outras vezes, só se encontravam poços fundos, mas se fossem empedrados, as pedras serviam de escada e, de pedrinha em pedrinha, ia-se ao fundo do poço buscar água.
- Trabalhavam até que horas?
- Até à noite, mas, às vezes, estava quase a anoitecer e ainda havia ali um bocado bom para ceifar, já não dava para andar com aquela calma, tínhamos de acelerar para o acabar, então, o patrão dizia: - Se acabarem o pão até à ponta, ganham um cântaro de vinho doce.
Para ganhar o vinho doce, acabava-se já tarde. À noite, cantava-se e dançava-se, até às tantas, muitos não se lembravam que tinham de se levantar cedo no outro dia.
- O que era mais difícil nas ceifas?
- O mais difícil era o cansaço acumulado de uns dias para os outros. Também, quando o pão era pequenino, umas “peladinhas”, baixinho, fartava-se a gente de ceifar e ceifar para fazer um molho de pão; mas depois dava mais grão que um molho de palha grossa.
- E o pior?
- Nesse tempo, os homens ganhavam o dobro das mulheres, a não ser que fossem “galfarros” novos, de quinze ou dezasseis anos, esses rapazes ganhavam como as mulheres, ainda, não ganhavam como os homens.
- O que achava de os homens ganharem o dobro?
- Não achava bem, mas era assim; também, as mulheres ganhavam todas o mesmo e umas faziam o dobro das outras.
- Como é que andavam vestidas nas ceifas?
- Normal, com uma saia e umas meias grossas para não se picarem as pernas, de lenço e chapéu que o calor era muito; o avental punha-se para trás, para tapar as pernas, mas não era só nas ceifas, se tivéssemos de andar baixas, fazia-se isso, a pessoa ficava mais à vontade.


quarta-feira, 10 de junho de 2020

Trabalhos agrícolas - as regas



Trabalhos agrícolas


Falo de alguns dos trabalhos mais difíceis que por esse tempo se realizavam sem a ajuda de máquinas, como as regas, ceifas e as malhas.

As regas

Antigamente regar um chão de cultivo era um trabalho muito difícil, sobretudo, para quem não podia ter noras nos poços.

Os “burros”

Ainda há quem tenha, apenas, quando se precisa de regar muito pouca coisa. Era um engenho fácil de fazer e barato, bastavam dois paus com o formato adequado, um ferro e uma pedra; o problema era ter força para levar o balde até à altura da água e enchê-lo; para cima, vinha sem esforço; não era fácil manter um ritmo que desse para fazer um rego bom de água. Chama-se “ougar” água.

As noras

Em “chões” maiores, de agricultores que podiam comprar uma nora, tirar a água do poço, era menos custoso. Punha-se uma vaca à nora, um sistema de “copos” (pequenos baldes) que andavam sempre a rodar, enchiam quando desciam para baixo e despejavam quando estavam por cima; a água caia numa espécie de tabuleiro e era encaminhada para o rego. A nora fazia um bom rego de água, mas a vaca não podia parar, era preciso alguém sempre a tocá-la – muitas crianças faziam este trabalho: tocar a vaca à nora, enquanto a mãe ou o pai regavam.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Árvores de madeira



Árvores de madeira

Freixos num lameiro

Pode-se dizer que a única árvore florestal que cá existe é o pinheiro,
há também freixos e carvalhos,
mas em menor quantidade.
Quase todas as pessoas tinham um pinhal, para quando fosse altura disso (um pinhal demora vinte
ou trinta anos a fazer) o poderem cortar, para utilizar ou vender a madeira. A madeira era utilizada
para os telhados e também para o "solho", o forro, as divisões, as portas e as janelas das casas.
Os carvalhos davam lenha e também madeira que podia ser serrada e utilizada nas casas; os frutos, as bolotas, serviam para a alimentação dos porcos. Os freixos, em quase todos os lameiros os havia, davam rama para o vivo e galhos para o lume e, também, quando fosse a altura, podiam ser vendidos para a madeira.

domingo, 24 de maio de 2020

Árvores de fruto - o castanheiro


As árvores de fruto          

Não existiam pomares, mas, junto às paredes, ao cimo ou ao fundo dos chões, havia árvores de fruto: macieiras, pereiras, cerejeiras, figueiras, abrunheiros…Como o clima é mau, no outono, começa logo cedo a arrefecer, muitas árvores de fruto não se dão cá; e das que se dão, nem sempre os frutos chegam a “amadurar” como deve ser.

 O castanheiro

Havia muitos soitos, cheios de grandes castanheiros. A castanha era uma fonte de riqueza, para quem tinha muita, claro. Vendia-se bem, apanhavam-na os negociantes; daqui, ia de comboio para Lisboa e depois de barco “para fora”, diziam que ia para o Brasil.
Era um alimento importante. Na altura das castanhas, comiam-se assadas e cozidas; havia, também, quem as secasse no caniço; muitas vezes, viam-se pessoas na rua a roer castanhas secas.
Os castanheiros antigos secaram quase todos, por causa de uma doença que lhes deu; agora, já volta a haver castanhas, são soitos novos, parece ser outra qualidade de castanheiros, mais pequenos do que os de antes.

O rebusco

Há um ditado que diz: “Dia de São Martinho baldeia o teu soito e tapa o teu vinho”. O soito não passava a estar baldio, mas, a partir desse dia, os donos deixavam as pessoas ir ao rebusco. Toda a gente podia ir ao rebusco das castanhas; mas, ia mais quem não as tinha.
Alguns donos dos soitos deixavam, ainda, muito por apanhar, havia ouriços no chão cheios de castanhas; outros andavam à pressa a apanhar tudo, antes do dia do rebusco, ia-se lá e pouco ou nada se encontrava, estava tudo “rebuscadinho”.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O cultivo e o trabalho do linho

Linho em flor

O linho       

Há muito que deixou de se cultivar. Mas, nos anos cinquenta, ainda se semeava por cá muito linho. Era semeado das sementes da linhaça, uma sementinha espalmada. Nascia e tinha de se sachar, mondar e regar, até a planta crescer, a uma altura de 50/60 centímetros, ter flor e começar a secar. Nessa altura, arrancavam-se mãos cheias de linho e colocavam-se umas em cima das outras, cruzando-as sempre, para ficarem separadas.

Ripar

Depois, com a ajuda de um ripanço, uma tábua larga, dentada numa das extremidades, passavam-se mãos cheias de linho, por entre aqueles dentes de madeira, até cair toda a baganha; a baganha era a semente que se aproveitava para se semear no ano seguinte.

Curtir

A seguir, faziam-se feixes, atavam-se e punham-se debaixo de água, numa ribeira, de preferência onde houvesse água a correr. “Íamos pô-los na ribeira do Pomar, quando se vai para a Quarta-feira, ficavam na água oito dias ou até mais, quando o linho já estava a ficar mole, tirava-se e estendia-se ao sol, para ficar bem seco. Muita gente punha-o a secar, em pé, encostado a uma parede ou encostado um ao outro, a fazer uma espécie de “palheirinhos”, o importante era secar bem.

Maçar

Depois de seco, tornava-se a pôr em feixes e voltava para a água. O linho ia duas vezes à água e duas vezes era seco, tinha de curtir bem. Quando se via que estava molinho e já se podia manobrar bem, tirava-se e maçava-se com uma maça de madeira: batia-se, batia-se...

Espadelar

Com um utensílio de madeira, uma espadela, davam-se pancadas no linho, seguro pelas raízes, de cima para baixo, para tirar os “tomentos” e o resto que não fosse bom. Estes “tomentos”, a parte grossa do linho, não se deitavam fora, podiam fiar-se e fazer-se sacos mais grosseiros, como os das batatas.

“Assedar”

Quando já estava bem espadelado, ia para o “sedeiro”, uma tábua comprida, com uma espécie de reguinhos e de picos finos e bastos. Aí, saía o linho grosso todo, a estopa, ficava só o linho fino; deste linho faziam-se lençóis, toalhas e até camisas para os homens, “já não foi na minha lembrança, mas antes até faziam ceroulas de linho; mas 

domingo, 17 de maio de 2020

A vinha, o vinho e a aguardente


A vinha

Quase todas as pessoas tinham uma vinha, umas latadas ou uns cordões de “vides” (videiras), junto às paredes dos “chões”. Colhiam-se as uvas, quando estivessem bem maduras, para se fazer o vinho

O vinho

Quem tinha mais vinho, esmagava as uvas em lagariças, primeiro, tanques de pedra e, mais tarde, de cimento. Se as uvas não eram muitas, esmagavam-se em baldes e ia-se deitando o conteúdo para uma dorna. O vinho tinha de se mexer, com um pau alto, até ferver, nessa altura, o bagaço vinha para a parte de cima e o vinho ficava na parte de baixo.
A seguir, tirava-se das lagariças ou das dornas para as barricas ou para os pipos, às vezes, saia já da dorna muito limpinho. Estas barricas ficavam nas lojas ou nas adegas, quem as tinha, deitadas na posição horizontal, assentes em calços de madeira, para ficarem quase todas no ar e, assim, o vinho não se estragar. Depois do vinho aclarar, tapava-se a abertura de cima, com uma rolha de cortiça, colocando cinza à volta, para ficar bem vedada; também se lhe colocava uma torneira, na parte da frente, em baixo.
O vinho novo estava pronto. Mas, só depois do São Martinho é que se começava a beber, cumprindo o ditado popular: “Pelo São Martinho, vai à adega e prova o vinho”.
A aguardente
Do bagaço que ficava na dorna ou na lagariça fazia-se a aguardente; quase sempre, era um senhor do Espinhal, que tinha uma caldeira, que vinha fazê-la a quem quisesse.
Tinha de ser numa loja ou num cabanal, um sítio onde se pudesse fazer um bom lume, porque a caldeira era grande. Enchia-se de bagaço; por cima, colocava-se o alambique com água fria e, por um processo de destilação, o vapor que saia da caldeira passava a líquido e ia correndo em fio para uma vasilha; depois, era despejada para garrafões de vidro, tecidos de verga, de cinco ou dez litros; esses garrafões, quase, desapareceram, quem os tinha, foi-os deitando fora, por já não terem utilidade.
Quem tinha pouco bagaço, menos de uma caldeira, podia juntar-se a outra pessoa e ambas faziam a aguardente e dividiam-na conforme o bagaço que cada uma tinha posto. Também havia pessoas que não a faziam, por terem pouco; davam o bagaço a alguém.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

A agricultura - o feijão, o milho, o pão



O feijão

Também precisa de muito trato, semeia-se em leiras e tem de se sachar, mondar e não deixar passar sede, pelo menos, naquele período do choro (das flores). O feijão que mais se cultivava cá eram o argentino, o vermelho, o de estaca e o riscado. Algumas espécies podem ser para seco ou para comer verde, como o vermelho e o de estaca, as “beiginas” (vagens) podem ser comidas verdes; o feijão seco, depois de descascado e limpo, é guardado e vai-se comendo ao longo do ano.

O milho

Semeava-se milho “zaburro”, bastinho, para a comida do vivo, que se cortava quando começava a ter bandeira e, também, se semeava milho para seco. O milho não precisa nem de terra tão boa e nem de tanto trato: semeia-se, sacha-se e deixa-se crescer até ter a maçaroca madura; nessa altura, corta-se, descamisa-se – tiram-se as maçarocas.
A seguir, põem-se a secar e depois de bem secas, malham-se. O milho é limpo, outra vez posto a secar e no final guarda-se em arcas. O milho era dado às galinhas e também servia para a alimentação das pessoas, moía-se e da farinha faziam-se papas.

O milho-miúdo

Como toda a gente “deitava pitas” – punha galinhas a chocar ovos – era necessário semear milho-miúdo para os “pitinhos”. Um campo de milho-miúdo tinha sempre muita passarada, mal começava a amadurar; era preciso pôr espantalhos, no meio do milho ou caravelas altas, para meter medo aos pássaros, senão o dono ficava com pouco ou nada. Nem toda a gente o semeava, mas claro, quem tinha terras disponíveis, semeava umas leiras dele.

O pão (o centeio)[1]

Era semeado nas tapadas e nos terrenos altos, com mais areia e sem água, os que não podiam ser para o cultivo de outros produtos agrícolas. Deitava-se a semente, lavrava-se ao arado com as vacas e ficava todo o inverno e toda a primavera; só em junho, estava bom para ser ceifado. Depois, era malhado e guardado, em arcas ou "tulhas", para se moer e da farinha fazer o pão.



[1]Aqui sempre se utiliza a palavra “pão”, seja para designar o cereal em grão, seja para designar o alimento.