quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Tradições alimentares - O Pão (1)

 O pão era o principal alimento de todas as famílias. Era quase uma coisa sagrada: quando se deixava cair um bocadinho de pão, no chão, apanhava-se, limpava-se, beijava-se e não se deitava fora. Ganhar o pão de cada dia, ter dinheiro para o pão..., eram expressões que mostram bem o valor deste alimento.

 

Moer o grão

O centeio em grão guardava-se em tulhas ou em arcas grandes e ia-se moendo ao longo do ano. Os ricos tinham tulhas grandes, aos pobres qualquer arca chegava. Dessas tulhas, vendiam aos pobres, quando estes já não tinham e precisavam de o comprar.

De vez em quando, ia-se moer o pão; quase sempre se moía para mais de uma vez, para não se andar, a toda a hora, a caminho da moagem. Havia moinhos de água no Sabugal e uma moagem mecânica em Pousafoles. 

Houve tempo em que os moleiros vinham ao povo buscar o pão, quem queria dava a moer, neste caso, era mais descanso, mas a maquia – a parte de farinha a dar ao moleiro pelo trabalho – era maior. Eram moleiros que viviam ao pé do Côa, vinham com os burrinhos buscar os taleigos de pão e depois traziam a farinha de volta. Cada burro levava bastantes sacos de pão. A farinha dos moinhos de água era tão boa como a da moagem.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Leite - o cardo, a tábua dos queijos (2)

 

O cardo


O leite era coalhado com cardo, um produto natural, uma planta que as pessoas tinham nas hortas e dava uma flor roxa, tipo fios; colhia-se essa flor, puxando todos esses fios, secavam-se e guardavam-se.

O cardo moía-se com uma areia de sal, numa tigela de barro, com o cabo de uma faca ou um utensílio apropriado, depois deitava-se um bocadinho de água ou de leite, misturava-se tudo e coava-se por um pano fininho ou por um coador – o que se deitava na panela era um líquido limpinho.

 

A tábua dos queijos


A maneira de “curar” os queijos era pôr-lhes uma ligadura à volta quando se tiravam do acincho e pô-los numa tábua a secar. Quem tinha queijos na tábua todos os dias tinha de os tratar: lavá-los, virá-los, tirar ou pôr ligaduras aos que ainda precisassem, mudar o pano da tábua... 

Quando estivessem secos, tiravam-se e guardavam-se; podiam durar muito tempo.





sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O leite: a ordenha e o queijo

 

A ordenha da vaca (F: freepik.com)

As vacas eram ordenhadas todos os dias, de manhã e à noite; muitas pessoas faziam um ou dois queijos por dia, conforme o leite que tinham; com sete, oito, litros já se fazia um queijo.


Fazer o queijo


O leite tinha de ser todo bem coado, antes de se pôr na panela de ferro, a amornar ao lume; não podia aquecer muito. Depois, deitava-se-lhe o cardo moído e esperava-se que coalhasse; quando estivesse bem coalhado, fazia-se o queijo.


O acincho e a francela


Para fazer o queijo, eram precisos um acincho e uma francela ou um prato grande. O acincho era uma espécie de aro de metal, com «furinhos» para sair o soro, que se abria e fechava, conforme a “grandura” do queijo.

A francela era um objeto de madeira, um pouco mais baixo que um banco da cozinha, com uma parte larga, onde se colocava o acincho e uma parte estreita, por onde o soro escorria diretamente para um caldeiro; não era preciso andar a deitar o soro cada vez que o prato se enchia, era mais prático.


Antes de se começar a fazer o queijo, mexia-se bem a coalhada, tirava todo o soro com uma concha e deitava-se, pouco a pouco, a coalhada no acincho, desfazendo-a com os dedos e apertando para ir saindo o soro. Era um trabalho que levava tempo, não se podia ter pressas.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A matança . a salgadeira, o jantar dos ossos e das banhas (8)

 

                                                        Uma salgadeira antiga (F: Gesteira)

 

A salgadeira

 A salgadeira era uma arca de madeira, onde se guardava, no sal, o que tinha sobrado da matança do porco: as peças de carne gorda, os ossos, os pés, o focinho, as orelhas. O presunto que também ficava um tempo na salgadeira.

A salgadeira ia, depois, pouco a pouco, ficando vazia: primeiro eram os ossos e as banhas; a seguir o presunto, no carnaval os ossos, os pés, o focinho e as orelhas; ficava alguma carne gorda.

 

Cozer os ossos e derreter as banhas

Passado algum tempo, não muito, derretiam-se as banhas e coziam-se os ossos. A família era outra vez convidada para um almoço ou um jantar.

As banhas partiam-se aos bocados e punham-se a derreter numa panela; com a ajuda de uma colher de pau, ia-se espremendo, espremendo, até sair toda a gordura e ficar só a febra das banhas, muito frita, parecia quase tostada, chamam-se “chichorros”; comidos com batatas e couves, são muito bons.

A untura

A gordura das banhas, antes de coalhar, deitava-se num pote de barro ou noutra vasilha e guardava-se para temperar o ano todo, ficava num armário da cozinha, para estar sempre à mão. Era a gordura que as pessoas mais utilizavam, pelo menos na sopa, punha-se uma colher de untura e um fio de azeite e ficava boa. Agora, já ninguém fala deste tempero, caiu em desuso quase completamente.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A matança - os enchidos (7)

  

Os chouriços dos coiros

Dos coiros que ficavam, quando se desmanchava e se tiravam as febras, faziam-se os chouriços dos coiros; eram partidos aos bocadinhos pequenos e temperados como as chouriças, mas levavam mais tempo a curtir; quando estivessem bons, eram enchidos nas tripas mais grossas do porco, o “palaio” e a bexiga.


As farinheiras

As farinheiras faziam-se na água, onde os ossos tinham sido cozidos. Nessa água, punha-se toda a gordura que se tinha tirado, quando se partiram as febras; partiam-se bem partidas, o mais fino que se pudesse, deitava-se pão, pimento, podia ser também farinha e massa de botelha (nem toda a gente fazia da mesma maneira), amassava-se tudo bem amassado, via-se o sal e enchiam-se, de seguida.

Nesse tempo, muitas pessoas faziam várias varas de farinheiras, era um enchido barato, bastava ter gordura e pão, para se acrescentar a massa e fazer mais uma vara.


As varas do enchido

Todo o enchido era colocado em varas (paus de pinho, de mais de dois metros) que se colocavam no caniço. Normalmente, levavam duas dúzias de chouriças, colocadas, mais ou menos, de dez em dez centímetros.

 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A matança - enchidos (6)

 


Era assim...Um caniço cheio de enchido (Foto: Capeia Arraiana)


Os enchidos

Só as morcelas se faziam o dia da matança, o resto do enchido fazia-se a seguir à desmancha do porco.


As chouriças

Partiam-se as febras aos bocadinhos, deitavam-se numa barranha ou num alguidar grande e temperavam-se com água, sal, pimento-de-cor e alhos picados e moídos num almofariz ou numa malga de barro; ficavam a curtir durante uns dias, dois ou três, conforme o que pessoa achasse melhor, iam-se mexendo e retificando o sal.

Antes de se encherem, quase sempre se fazia uma prova, arranjam-se as febras na sertã e comiam-se com batatas cozidas.

Punham-se no caniço, mas não se lavavam, limpavam-se só; ficavam a pingar durante dias. Tinha de se andar sempre a limpar o pingo das chouriças.


As buxeiras

Os boxes e o bandulho, depois de arranjados, eram cozidos ou entalados em água quente e, na altura devida, cortados para as buxeiras. Também, as febras que tivessem ficado ensanguentadas, quando se abriu o porco, partiam-se para as buxeiras. Punha-se tudo numa barranha e temperava-se como se fazia com as chouriças. Não eram muitas, pouco mais de uma vara ou nem isso, mas comidas cozidas com batatas eram muito saborosas.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A matança - desmanchar o porco (5)

  

Desmanchar o porco


Dois ou três dias depois da matança, desmanchava-se o porco. Começava-se por tirar as banhas e a carne da barriga, depois cortava-se a cabeça e a seguir os presuntos da frente. Tirava-se, a seguir, do “chambaril”, deitava-se numa toalha de oleado ou num toldo, bem limpos, e cortava-se o resto em peças; podiam ser duas de cada lado e o presunto de trás, se o porco fosse grande; cada pessoa fazia como achava melhor, já não era para vista, era para irem para a salgadeira.


Limpar as peças


Tiravam-se os ossos de cada uma das peças de carne e também todas as febras; punham-se num alguidar para se partirem e, depois, se fazerem as chouriças. Muitas vezes, deixava-se um presunto ou dois, mas também havia quem partisse tudo para as chouriças.

As peças de carne gorda punham-se na salgadeira e serviam para temperar a sopa, durante o ano, mas também para comer com o pão.