sábado, 21 de novembro de 2020

A matança - Lavar as tripas, fazer as morcelas (3)

 

Lavar as tripas

As tripas eram lavadas nos ribeiros, onde houvesse água limpa e corrente, para se poderem lavar bem lavadas. Depois de despejada a porcaria das tripas grossas e miúdas, começavam-se a lavar; era preciso muitas voltas, até ficarem boas. Às vezes, as tripas miúdas eram limadas, com a ajuda de duas palhas e muito jeitinho; ao ripar-se pela tripa abaixo, saia a parte que não era boa e a tripa ficava logo limpa.

Quando as mulheres chegavam de lavar as tripas, as que tinham ficado em casa já tinham preparada a massa das morcelas.


As morcelas

Faziam-se logo no dia da matança, com o sangue do porco. Num barranhão grande, já com o pão partido, deitava-se o sangue, mistura-se tudo, depois, deitam-se as gorduras partidas muito fininhas, o sal, os cominhos, a salsa, a cebola ralada e algum azeite, tudo misturado, com as mãos, até ficar bem desfeito. Provava-se a massa e, se estivesse boa, enchiam-se.

Quase sempre as tripas grossas eram talhadas para fazer as morcelas; coziam-se com uma agulha, de um lado, enchiam-se e atavam-se, do outro lado. Também se costumavam encher morcelas em tripas de vaca.

As morcelas grossas tinham de ser cozidas, senão estragavam-se. A panela ou o caldeiro, onde se punham a cozer, não podia ferver muito para não rebentarem. Quando já estavam cozidas, tiravam-se e punham-se no tabuleiro para arrefecerem; as outras morcelas não precisavam de cozer assim, escaldavam-se, para não ficarem a pingar, quando se pusessem no caniço.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Matança - matar o porco (2)

  Logo de manhã bem cedo, vinham os homens tomar o pequeno-almoço: café, pão com queijo, chouriça, presunto..., para, a seguir, irem matar o porco.


Era assim... (F: esep jornal digital)


Matar o porco


Tapava-se a porta da cortelha, aquela parte mais resguardada, onde o porco dormia, porque, se calhava a enfiar-se lá, era difícil tirá-lo; abria-se a porta do cortelho e tentava-se que saísse para fora; nessa altura, um homem, já com uma corda preparada, prendia-o por uma perna.

Era levado para o sítio onde ia morrer, geralmente, no curral, em cima de um banco de madeira comprido. Quando estivesse bem seguro, um dos homens metia-lhe uma faca grande, na direção do coração; se corria bem, começava logo a sangrar e não tardava a morrer. Uma senhora apanhava o sangue para dentro de um alguidar, onde já estava uma mão cheia de sal, e mexia sempre para não coalhar; este sangue era levado para casa e deitado na barranha das morcelas, misturando-se logo tudo muito bem.

Voltavam a cozer a capadura para não sair nenhum sangue e começavam a queimar-lhe o pêlo, com molhinhos de palha; depois, lavava-se todo bem lavado e com uma pedra apropriada raspava-se a pele já queimada; a seguir, raspavam-se os pêlos que ainda restassem com facas ou navalhas afiadas.

Quando estava bem limpo, fazia-se um rasgo nos tendões dos pés traseiros e colocava-se-lhe um pau forte, um “chambaril”, para suportar o peso do porco; era levado em peso e pendurado, junto a uma parede ou um taipal, para poder ser aberto.


Abrir o porco


Havia uma forma correta de abrir o porco, para que as tripas saíssem, juntamente, com as miudezas (fígado, coração, rins, fobe, «passarinha»...), sem rebentar ou estragar nada. Eram colocadas num tabuleiro e duas ou três mulheres começavam a tratar de as desenlear, de as separar umas das outras, tirando todas as gorduras.

A seguir, tirava-se uma parte daquela carne da barriga, para se cozer para o jantar da matança, juntamente com os ossos da suã; tirava-se a carne conforme as pessoas da família, se eram muitas tirava-se mais. No final, terminava-se de arranjar tudo como devia ser e deixava-se o porco “enxugar”, até ao dia da desmancha.


sábado, 14 de novembro de 2020

Produtos e tradições alimentares - a preparação da matança (1)

 

 

Era assim o porco da matança: grande e gordinho 

Quando pensamos na alimentação daqueles tempos, vemos que as pessoas comiam quase só do que dava a casa, dos produtos agrícolas, da matança do porco, do pão que coziam, do leite e da carne dos animais que criavam.

 

A matança

 

Escolhia-se um dia que calhasse bem a todos, porque a matança era um acontecimento familiar, vinham os avós, os tios, os irmãos, os sobrinhos, os filhos, os netos..., mesmo que vivessem em terras de fora; eram todos convidados para ajudar e também para conviver.

 

A preparação

Compravam-se as tripas de vaca para os enchidos – havia-as no mercado do Sabugal, estavam lá sempre aqueles judeus de Belmonte com elas – o pimento de cor, os cominhos, o sal para a salgadeira..., o que fosse preciso. Dava despesa comprar tudo, mas tinha de ser.

No dia atrás, lavam-se as tripas, punham-se a jeito todas as vasilhas necessárias (alguidares, caldeiros, baldes, panelas…), partia-se o pão das morcelas, ralava-se a cebola, picava-se a salsa e descascavam-se as batatas. Tudo o que se podia adiantar, adiantava-se, porque o dia da matança era muito trabalhoso.

 


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Emigração - os que morreram, as pensões

 

Os que morreram

 

Em mais de sessenta anos de emigração, muitas foram as mortes, dos que ficaram cá e também dos que morreram lá. A primeira geração de emigrantes deixou cá os pais, alguns já de idade, muitos tiveram de vir, anos depois, aos seus enterros; era uma situação difícil, às vezes, estava-se à espera que os filhos chegassem para enterrar a pessoa.

Houve, também, pessoas que morreram na França e que as famílias trouxeram para serem sepultadas cá, mais no início; passados os anos, e com a vida cada vez mais estabilizada, começaram a ser enterrados quase todos lá. Ainda assim, há sempre alguns que vêm.

 

As pensões

 

Outro aspeto de grande importância, no que se refere à emigração, é o das pensões pagas pela segurança social francesa a muita gente de cá, desde há muito tempo. Não é possível comparar as pensões de lá com as de cá e, muito menos, as de há trinta ou quarenta anos atrás. Se não fossem estas pensões, a vida de muita gente teria ficado numa situação bem mais difícil.

 Os que morreram Em mais de sessenta anos de emigração, muitas foram as mortes, dos que ficaram cá e também dos que morreram lá. A primeira geração de emigrantes deixou cá os pais, alguns já de idade, muitos tiveram de vir, anos depois, aos seus enterros; era uma situação difícil, às vezes, estava-se à espera que os filhos chegassem para enterrar a pessoa. Houve, também, pessoas que morreram na França e que as famílias trouxeram para serem sepultadas cá, mais no início; passados os anos, e com a vida cada vez mais estabilizada, começaram a ser enterrados quase todos lá. Ainda assim, há sempre alguns que vêm. As pensões Outro aspeto de grande importância, no que se refere à emigração, é o das pensões pagas pela segurança social francesa a muita gente de cá, desde há muito tempo. Não é possível comparar as pensões de lá com as de cá e, muito menos, as de há trinta ou quarenta anos atrás. Se não fossem estas pensões, a vida de muita gente teria ficado numa situação bem mais difícil.

sábado, 7 de novembro de 2020

A emigração - o mês de Agosto

 

A igreja cheia

Aos domingos, a igreja enchia-se de gente, antes, muito mais do que agora. Todos os emigrantes iam à missa, adultos, jovens e crianças, de cá, do Espinhal e da Quinta do Clérigo. Conversavam umas com as outras, à saída, pelo adro, cá fora, na estrada, no fundo do povo... Se fosse ano da festa de Santo António, então, ainda, mais gente havia e maior animação, com os preparativos e os dias da festa.

 

Os mercados

Já se sabia que, mal principiava agosto, os preços, nas lojas e nos mercados, aumentavam, sem outra razão que não fosse alguns comerciantes quererem ganhar, num mês, o que ganhavam, durante o resto do ano todo, em que havia muito pouca gente.

Apesar deste aumento desmesurado dos preços, os mercados enchiam-se, porque, comparando os preços de lá com os que de cá, era muito mais barato comprar aqui. Estávamos muito longe dos preços marcados e do euro que agora não permite fazer nada disso.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Emigração - o mês de agosto

 

Nalguns anos, em agosto, havia a festa de Santo António  

 

O mês de agosto

 

Havia sempre um domingo, no final de julho ou inícios de agosto, em que todos chegavam. Primeiro, não vinham todos os anos e utilizavam, sobretudo, o comboio. Anos mais tarde, começaram a vir de carro, no início, carros em segunda mão, que foram melhorando, até aos bons carros que hoje têm.

 

O encontro com familiares e amigos

“Ver as pessoas”, há um genuíno sentimento de encontro. Encontram-se com as pessoas de cá, mas, também, uns com os outros; lá, é raro verem-se, fora das suas famílias, mesmo que vivam na mesma vila ou cidade. Cada um tem a sua vida.

Cá, não, estão de férias e têm tempo. As ruas estão cheias de gente; também, nos balcões, nas varandas, no largo da fonte velha, nos bancos da capela..., as pessoas se juntam para conversar e conviver; a terra ganha uma animação e uma vida que não é comparável com o resto do ano.

Os jovens também aproveitam bem as férias: conversam, dançam, ouvem música, fazem borgas, namoram, saem...; agora, pode ter mudado o modo como o fazem, mas o espírito de diversão e de encontro é o mesmo.

 

sábado, 31 de outubro de 2020

Emigração - as casas novas

 

 

As casas

 

Talvez se pudesse contar a história da emigração, aqui no povo, a partir de uma casa. Os emigrantes, primeiro reconstruíram as pequenas habitações que deixaram ou que adquiriram, no início dos anos setenta. Mais tarde, já nos anos oitenta, quase todos, fizeram casas novas, de raiz, moradias grandes, com todo o conforto.

Se, na altura da reconstrução das primeiras casas, ainda, trabalharam nelas, passavam o mês das férias a trabalhar, depois, ganharam outro poder económico, devido em grande parte ao câmbio e também aos altos juros pagos a quem podia pôr dinheiro a render, nos bancos portugueses.

Ajustaram-nas a empreiteiros da construção civil. Foi um tempo de grande desenvolvimento, os emigrantes ganharam dinheiro, investiram-no, criaram riqueza na terra e deram trabalho e dinheiro a ganhar aos trabalhadores das obras.